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Read Ebook: As Farpas: Chronica Mensal da Politica das Letras e dos Costumes (1877-08/09) by Ortig O Ramalho Editor Queir S E A De Editor
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next PageEbook has 220 lines and 19987 words, and 5 pagesRAMALHO ORTIG?O--E?A DE QUEIROZ AS FARPAS CHRONICA MENSAL DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES NOVA SERIE TOMO X Agosto a Setembro 1877 Ironia, verdadeira liberdade! ?s tu que me livras da ambi??o do poder, da escravid?o dos partidos, da venera??o da rotina, do pedantismo das sciencias, da admira??o das grandes personagens, das mystifica??es da politica, do fanatismo dos reformadores, da supersti??o d'este grande universo, e da adora??o de mim mesmo. P. J. Proudhon SUMMARIO O homem que teve na terra o nome glorioso de Alexandre Herculano pertence ao dominio da posteridade desde as 10 horas da noite de hontem, 14 de setembro de 1877. Os que houverem de julgar na historia essa poderosa personalidade ter?o de considerar que dois cidad?os, inteiramente diversos, existiram na terra, succedendo-se um ao outro no individuo d'aquelle nome. O segundo dos cidad?os que passaram no mundo sob o nome de Alexandre Herculano ? simplesmente o illustre solitario de Valle de Lobos. O dia do nosso grande lucto nacional n?o ? aquelle em que expirou o solitario illustre, mas sim aquelle em que deixou de existir para o vertiginoso bulicio da vida publica o ardente escriptor, que no seio da multid?o fluctuante, estrepitosa, leviana, indifferente, perfida, trai?oeira, ingrata, lan?ava ?s pra?as e ?s ruas publicas, lamacentas e sordidas, as suas id?as de cada dia, nobres, castas, desinteressadas, aladas pelo alphabeto typographico, adejando sobre as immundicias e sobre as dejec??es da cidade, como douradas abelhas impollutas, que v?o de alma em alma sacudindo das azas luminosas em pollen diamantino a divina verdade. A isola??o de Herculano no remanso esteril do dilettantismo bucolico, comprometteu o destino mental d'uma gera??o inteira. Pelo intenso poder das suas faculdades reflexivas, pela eminencia do seu talento, pela auctoridade da sua palavra, pela popularidade do seu nome, pela reputa??o nunca discutida da sua honestidade, elle era o homem naturalmente indicado para assumir o pontificado intellectual do seu tempo. A ausencia d'essa auctoridade do espirito sobre o espirito foi uma catastrophe para a gera??o moderna. Tudo se resentiu na sociedade portugueza, com o desapparecimento d'esse alto poder moderador, destinado a ser o nucleo do seu governo moral. ? tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um homem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse at? os quatro cantos do paiz a express?o viril das grandes convic??es inflexiveis, dos altos e potentes enthusiasmos ou dos profundos e implacaveis desdens. Essa pobre tribuna deserta degradou-se successivamente at? n?o ser hoje mais do que uma prateleira mal engon?ada com algum lixo e o respectivo copo d'agoa. A imprensa decaiu como decaiu a tribuna. Assaltada pelas mediocridades ambiciosas e pelas incompetencias audazes, a imprensa tornou-se um tablado de saltimbancos de feira, convidando o publico a 10 r?is por cabe?a, para assistir, entre assobios e arremessos de cenouras e de batatas podres, ? representa??o da desbocada comedia, declamada em giria da matula por personagens sarapintados a vermelh?o e a ocre, que mostram o punho arrega?ado e sapateiam as taboas, como em sarabanda de negros e patifes, com os seus p?s miseraveis. A politica converteu-se em uma vasta associa??o de intriga, em que os socios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja miss?o ? impellirem-se e repellirem-se successivamente uns aos outros, at? que a cada um d'elles chegue o mais frequentemente que for possivel a vez d'entrar e sair do governo. Nos pequenos periodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministerio o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos publicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos logares que vierem a vagar. ? este trabalho de assimila??o e desassimila??o dos partidos, que constitue a vida organica do que se chama a politica portugueza. A arte desnacionalisa-se e afasta-se cada vez mais do fio tradicional que a devia prender estreitamente ? grande alma popular. A opini?o publica, marasmada pela indifferen?a, deshabitua-se de pensar e perde o justo criterio por que se julgam os homens e os factos. Se um pensador da alta competencia e da grande auctoridade de Alexandre Herculano tivesse persistido durante os ultimos vinte annos ? frente do movimento intellectual do seu tempo, essa influencia teria modificado importantemente o nosso estado social. Na politica ninguem como elle, com as suas opini?es extremas e radicaes, poderia originar a crea??o dos dois grandes e fortes partidos--o partido conservador e o partido revolucionario,--de cuja controversia depende essencialmente n?o s? o progresso politico da sociedade portugueza, mas a propria conserva??o do seu regimen constitucional. Na imprensa ninguem como elle poderia elevar a auctoridade da institui??o com a sua palavra t?o scintillante, t?o denodada, t?o propria para o debate, e com a sua experiencia t?o esclarecida pela convivencia e pela cultura da historia. Na opini?o e no espirito publico, ninguem teria uma ac??o t?o segura e t?o decisiva, porque ninguem como elle gosou em Portugal d'um t?o inteiro prestigio e d'uma t?o completa e absoluta auctoridade. Na arte, ninguem ainda mais proprio para levar a crea??o esthetica ? fonte nativa da inspira??o, ? tradi??o historica, ? raiz da paix?o e do sentimento nacional. Exercer essa alta direc??o dos espiritos ? nas sociedades modernas a miss?o dos grandes homens. Dos eminentes escriptores europeus d'este seculo Herculano foi o unico que espontaneamente abandonou na for?a da intelligencia e da vida o posto de honra a que cheg?ra pelo esfor?o do seu trabalho e pela posse dos mais felizes dons com que a natureza o dot?ra. Guizot, Michelet, Buckle, Proudhon, Stuart Mill, todos os modernos, todos os que vieram depois de definido pela Revolu??o o dogma do dever social, viveram combatendo at? ? ultima hora e morreram com a penna na m?o. Ha poucos dias ainda a Fran?a viu cair Thiers na estacada, em pleno combate. Era um velho pequenino, valetudinario, quasi rachitico. Desde muito tempo que elle era sufficientemente rico para gosar a tranquilidade egoista, imperturbavel, do mais poderoso principe. A sua longa vida f?ra uma serie nunca interrompida de combates, de derrotas, de triumphos, das mais violentas commo??es que podem opprimir e dilacerar uma alma. Ha dez annos que poucos teriam como elle o direito de solicitar um pouco de tranquilidade e um pouco de sombra. Elle todavia permanece no ponto mais temeroso da peleja, e ? a essa pertinacia d'um s? homem, t?o debil e t?o caduco que qualquer mulher poderia pegal-o ao collo e adormecel-o como um baby, que a Fran?a deve a sua reconstitui??o politica e social, e a democracia a affirma??o mais poderosa e mais energica d'uma republica no cora??o da Europa. Na Inglaterra, n?o j? um homem mas uma simples mulher, que teve um papel decisivo no movimento das id?as modernas, Miss Martineau, ferida por uma les?o do cora??o, desenganada pela medicina de que n?o pode ter mais d'um anno de vida, concentra durante esse anno todas as suas faculdades na conclus?o da sua ultima obra, conta a uma por uma em beneficio do seu similhante as suas derradeiras pulsa??es, e sob uma condemna??o mais peremptoria e mais tremenda que a de Condorcet, arranca da sua invencivel vontade a energia precisa para escrever com a lucidez mais profunda, com a firmeza mais viril, com a coragem mais heroica, o admiravel livro em que dep?e com a ultima palavra o ultimo suspiro. Uma celebridade subalterna, um simples poeta, um romancista, um talento d'especialidade, tem o direito de fazer um livro e de se calar para todo o sempre; mas o cidad?o em quem concorrem as multiplas aptid?es cerebraes que constituem os espiritos superiores, as capacidades dirigentes, n?o tem esse direito. A benevolencia devida aos vivos p?de levar-nos a respeitar nos actos de cada homem um producto indiscutivel da sua liberdade; a verdade por?m devida aos mortos, a incorruptivel verdade, tem diante dos tumulos o dever de considerar, em nome da justi?a e em nome da sociedade, todas as condi??es que encaminharam ou desencaminharam uma existencia n'essa linha ideal a que convergem as mais altas aspira??es da humanidade. E ? s? assim que as gera??es aprendem o que t?em de agradecer e o que t?em de perdoar aos obreiros do passado, tirando d'esse juizo austero sobre a miss?o dos que morreram, a regra moral a que t?em de submetter-se aquelles que est?o vivos. A elabora??o psychologica das causas que levaram o espirito de Herculano a quebrar as suas rela??es mentaes com a sociedade, ? um importante estudo a que se acham obrigados aquelles que viveram na intimidade e na confidencia do grande escriptor. A sociedade precisa de saber que grau de responsabilidade lhe cabe no emudecimento d'essa voz. Porque a isola??o d'Herculano n?o ? um simples episodio biographico, ? um facto social, ? um dos mais tristes phenomenos da decadencia portugueza. Todos aquelles que trabalham com dedica??o e com honra, que se consideram responsaveis diante dos seus similhantes pela conclus?o do trabalho que a si mesmos se impuzeram, que se dedicam ? sua miss?o, que v?em n'ella uma parte integrante da grande obra collectiva da humanidade, todos aquelles que teem na vida um fito superior e desinteressado, est?o sujeitos em cada dia, em cada hora, em cada instante, ? grande lucta da consciencia com as suggest?es do egoismo, com a ingratid?o dos homens, com a calumnia, com a trai??o, com o desdem. ? perigoso para os que teem ainda, no meio da dissolu??o geral dos caracteres, esse vivo sentimento da solidariedade, essa corajosa dedica??o do martyrio, essa persistencia no lento suicidio que ? a vida de todos os que pensam e de todos os que luctam, o ver de repente sossobrar e afundir-se na fria impassibilidade e na tenebrosa indifferen?a o alto luminar destinado a indicar a uma gera??o inteira o arduo e penoso rumo do dever. Lemos em um jornal que a imprensa de Lisboa, reunida em assembl?a para o fim de pagar ? memoria de Alexandre Herculano o tributo da sua admira??o, resolvera abrir uma subscrip??o destinada a elevar um monumento ao insigne escriptor. Parece, segundo o mesmo boato, que n?o est? ainda resolvido de que natureza ser? o monumento em projecto. Se tivessemos a immerecida honra de sermos considerados pela imprensa como um de seus membros, eis o que proporiamos. Em todo o longo trabalho de investiga??o, de critica, d'analyse, de deduc??o, que constitue a materia d'esses quatro volumes, o publico portuguez n?o viu sen?o dois factos extremamente subalternos na obra do philosopho e na obra do artista:--a nega??o do milagre d'Ourique e das c?rtes de Lamego. O historiador da nossa nacionalidade n?o foi olhado se n?o debaixo d'um aspecto,--o aspecto das nossas supersti??es. As origens do direito, da arte, da propriedade, da religi?o, da familia, da patria interessaram-nos d'um modo t?o mediocre que nunca nos suggeriram uma id?a clara sobre qualquer d'esses phenomenos. De t?o multiplos problemas suscitados ou resolvidos pelo historiador da nossa vida civil, um unico nos commoveu at? as mais intimas profundidades do nosso organismo social: Se Jesus Christo tinha ou n?o tinha vindo cavaquear com D. Affonso Henriques na vespera d'uma batalha, e se a derrota dos mouros fora ou n?o o resultado d'uma opera??o estrategica combinada de commum accordo entre os dois poderosos inimigos do kalifado de Cordova, o filho do conde D. Henrique e o filho de Deus. A homenagem que a imprensa deve prestar a Alexandre Herculano ? a publica??o d'esse estudo, porque o primeiro dever dos jornalistas perante um grande escriptor ? mostrar que o leram. Com rela??o a Herculano essa divida est? por saldar, e a imprensa tem que desempenhar-se d'ella com tanta mais promptid?o, quanto ? certo que o seu longo silencio podia ter sido uma das causas que levaram o iniciador dos trabalhos historicos portuguezes a talhar para si mesmo a triste mortalha em que desceu envolto para o tumulo--a mortalha do desprezo. N?o conseguiu merecer-lhe mais o espirito dos contemporaneos. Annaes da viagem de suas magestades e altezas pelos seus reinos segundo os telagrammas publicados por toda a imprensa e da ac??o civilisadora da mesma viagem sobre o espirito dos povos segundo os alludidos documentos. CAPITULO I Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo da Caridade acaba, de chegar esta secular floresta acompanhada suas altezas Preciosos Penhores. Anjo passeou matta. Jantou 6 horas. Preciosos Penhores foram Cruz Alta companhia um dos seus preceptores. Jubilo povo inexcedivel. CAPITULO II Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo encontrou interessante menino na serra e afagou. Commo??o todos visitantes que presencearam acto Anjo afagar menino chegou lagrimas. Preciosos Penhores foram p? Fonte Fria. Jantar Anjo, Preciosos Penhores e Damas, 6 horas, 14 minutos, tempo medio. Jubilo povo augmenta progressivamente. Bussaco... agosto. Anjo apreciou mediocremente rouxinoes gorgeando secular floresta. Chamados ? pressa para gorgear na balseira bauda de infanteria 14 e cysne Mondego D. Amelia Jenny. Jubilo povo excitado por Quatorze e por Cysne innarravel. CAPITULO IV CAPITULO V CAPITULO VI Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo e suas altezas Preciosos Penhores acabam de partir Porto, comboyo expresso. Anjo e Preciosos Penhores n?o mais a secular floresta. Raias ultrapassadas por jubilo povo. Vidago... d'agosto. Sua magestade Excelso Soberano, acompanhado duas phylarmonicas e quarenta maiores contribuintes montados quarenta maiores eguas, chegou sem novidade real saude. Indiscriptivel jubilo povo. 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