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Munafa ebook

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Read Ebook: As Farpas: Chronica Mensal da Politica das Letras e dos Costumes (1877-01/02) by Ortig O Ramalho Editor Queir S E A De Editor

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Ebook has 222 lines and 20675 words, and 5 pages

RAMALHO ORTIG?O--E?A DE QUEIROZ

AS FARPAS

CHRONICA MENSAL DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES

Janeiro a Fevereiro 1877

Ironia, verdadeira liberdade! ?s tu que me livras da ambi??o do poder, da escravid?o dos partidos, da venera??o da rotina, do pedantismo das sciencias, da admira??o das grandes personagens, das mystifica??es da politica, do fanatismo dos reformadores, da supersti??o d'este grande Universo, e da adora??o de mim mesmo.

P.J. PROUDHON

SUMMARIO

A situa??o politica...

Mas, perd?o--antes de encetarmos este assumpto, uma pequena historia:

Era uma vez um velho burro. Fora madra?o e manhoso. N?o conquist?ra amigos porque os n?o merecia. Tinham-o lan?ado ? margem no fim da vida. Principiou a viver ao acaso, pelos montes. Um dia achava-se defronte de um vallado, estacado ao sol sobre as suas quatro patas, inerte, immovel, olhando para um cardo secco com os seus grandes olhos redondos e encovados em orbitas esqueleticas, pensando nas vicissitudes da vida e procurando arrancar do seu cerebro, para se consolar, algumas id?as philosophicas.

Passou por elle e deteve-se a contemplal-o um joven asno, no vi?o das illus?es, cheio de amor e de zurros, de alegria e de coices. A vetusta ossada angulosa do anci?o parecia furar-lhe a pelle resequ?da e aspera. Um espesso enxame de moscas cobria-lhe as mataduras do lombo e dava-lhe o aspecto de ter um albard?o feito de zumbidos e d'asas sobre um fundo de missangas pretas e palpitantes,--coisa rabujosa ? vista.

--Sacode esse mosqueiro, disse-lhe o burro novo. Dar-se-ha o caso de que, ? similhan?a do homem, deixasses tambem tu atrophiar o precioso musculo que ahi tens na face para por meio d'elle abanares a orelha e moveres a pelle?... Sacode-te, bestiaga!

Ao que o lazarento, pausado, retorquiu:

--N?o sabes o que zurras, joven temerario! O destino de quem tem maselas ? que o mosqueiro o cubra. As moscas que tu v?s, e de que o meu cerro ? a estalagem com mesa redonda, s?o moscas fartas, teem a mansid?o abundante dos estomagos cheios. Se eu as sacudisse, viriam outras,--as famintas, de ferr?es gulosos, que zinem como frechas, pousam como causticos, mordem como furunculos. As que tu v?s prestam-me um servi?o impagavel:--livram-me das que podem vir; s?o o meu xairel benigno e suave, o meu arnez, a minha coura?a. Quando te chegar a idade de seres pasto de moscas ; quando te chegar o teu dia, lembra-te, asninho imprudente, d'este conselho amigo de um burro velho, que n?o aprende linguas, mas que tem a experiencia que vale tanto como o ouro: Nunca sacudas mosca desde que creares masela! Teme-te dos papos vasios das revoadas novas. Papos cheios n?o s? n?o mordem mas at? empacham! Comprehendeste, burrinho, a philosophia da minha inercia?

Revertamos agora, como vinhamos dizendo, ? situa??o politica.

Em toda a sociedade em movimento ha dois unicos partidos: o partido conservador e o partido revolucionario.

A func??o do partido revolucionario, qualquer que seja o seu nome--republicano, socialista, federalista, fourrierista, proudhonista, positivista, etc.--? transformar a ordem estabelecida, modificando as condi??es da civilisa??o no sentido de um mais rapido progresso.

Para este fim o partido revolucionario agita constantemente por meio de id?as novas as opini?es preconcebidas.

Como, por?m, n?o est? ainda definido o programma geral e harmonico da revolu??o, como a tendencia progressiva das multid?es indisciplinadas se basea no sentimentalismo esteril ou no phantastico ideal methaphysico dos phraseadores eloquentes, succede que todo o esfor?o revolucionario representa para a sociedade um perigo de desordem, de incoherencia e de anarchia.

A func??o do partido conservador ? a manuten??o da ordem contra todas as invas?es que directa ou indirectamente ameacem a integridade da organisa??o existente. Em todas as velhas sociedades os governos s?o por essa ras?o, os inimigos natos do progresso. A evolu??o progressiva da humanidade realisa-se, a despeito d'elles, pela elabora??o irresistivel das id?as fora da esphera official, sob a ac??o das descobertas da sciencia ou das suggest?es da arte. O mais que fazem os governos ? submetterem-se ?s transforma??es sociaes que a solu??o de cada novo problema resolvido pela sciencia imp?e ? existencia dos povos. Os governos, portanto, sempre que uma forte effervescencia intellectual n?o agita a sociedade e os n?o abala constantemente na eminencia do seu posto for?ando-os a concess?es successivas, tendem ao retrocesso.

A civilisa??o n?o ? na orbita politica sen?o o justo equilibrio das for?as resultantes d'essas duas tendencias: a tendencia retrograda na ordem, a tendencia anarchica na revolu??o.

Em Portugal o que succede?

A vida intellectual ? extremamente debil. A sciencia n?o tem cultores desinteressados e ardentes, a ac??o da arte sobre a aspira??o dos espiritos ? nulla.

O resultado ? que os partidos de opposi??o, n?o encontrando nos phenomenos da vida nacional a profunda express?o implacavel de novas necessidades a que os governos tenham de amoldar-se, acham-se naturalmente desarmados das grandes ras?es que reptam os governos a progredir ou a abdicar.

Em taes condi??es o partido revolucionario dentro da milicia politica, partido fabricado pelos proprios governos com a corrup??o do suffragio,--sendo uma pura conven??o, uma fix?o constitucional, uma express?o rhetorica, sem raizes na consciencia e na vontade popular,--acabou por desapparecer inteiramente do nosso systema representativo. Ha muitos annos que a revolu??o n?o tem quem a represente no parlamento portuguez.

Ha, todavia, uma maioria parlamentar e uma opposi??o composta de varios grupos dissidentes. Estes grupos s?o fragmentos dispersos do unico partido existente--o partido conservador--fragmentos cuja gravita??o constitue o organismo do poder legislativo.

Estes partidos, todos conservadores, n?o tendo principios proprios nem id?as fundamentaes que os distingam uns dos outros, sendo absolutamente indifferente para a ordem e para o progresso que governe um d'elles ou que governe qualquer dos outros, conchavaram-se todos e resolveram de commum accordo revesarem-se no podler e governarem alternadamente segundo o lado para que as despesas da rhetorica nos debates ou a for?a da corrup??o na urna fizesse pesar a balan?a da regia escolha. Tal ? o espectaculo recreativo que ha vinte annos nos esta dando a representa??o nacional.

Imaginem meia duzia de almocreves sequiosos que acham na estrada um pipo de vinho. Como nenhum d'elles tem mais direito que os outros a beber do pipo, combina-se que cada um d'elles ponha a bocca ao espicho e beba em quanto os pontap?s dos outros o n?o contundirem at? o ponto de o obrigar a largar as m?os da vasilha para as apertar na parte ferida pelos pontap?s applicados pela companhia que espera. ? exactamente o que ha muito tempo tem sido feito pelos partidos portuguezes com rela??o ao usofructo do poder que elles acharam na estrada, perdido.

Chegou finalmente a vez de p?r o pipo ? bocca um partido excepcionalmente valoroso de sede e inconfundivel de fibra. Este partido n?o desemboca o pipo por mais que lhe fa?am. Protesta??es escandalisadas, de almocreves, retroam.

--Este partido abusa!

--Isto n?o vale!

--Isto n?o ? do jogo!

--Elle esvasia o pipo!

--Larga o pipo, pipa!

--Larga o pipo, pimp?o!

--Larga o pipo, ladr?o!

E incitam-se uns aos outros at? ? ferocidade:

--Chega-lhe rijo!

--Mais! que lhe d?a bem!

--Rebenta-me esse ?dre!

--Racha-me esse tunel!

--Ah! c?o!

O partido, por?m, continua sempre a beber, e ? insensivel a tudo: ? dor, ao insulto, ao chasco, ao improperio, ? gra?a pesada, ? insinua??o perfida e ? alus?o venenosa!

Em vista de uma tal pertinacia, que n?s mesmos somos for?ados a taxar de irregular, os partidos em expectativa do pipo, confederam-se, ferem o pacto da Granja, constituem-se n'um s? partido novo,--n'uma s? bocca para o pipo. Fazem um programma, redigem um manifesto, v?o de terra em terra pedindo ao paiz que intervenha. Precisamente lhes occorreu n'esse momento que o pipo tem dono! que ? do paiz o pipo!

Deixae-me em paz. E notae que eu nem sequer vos abano as orelhas,--que ? para n?o bolir comigo!

Ha por tanto duas crises: uma crise meteorologica e uma crise economica.

Sendo a crise economica um effeito da crise meteorologica, a quest?o fundamental no estudo d'essas duas crises ? a quest?o da chuva.

Esta quest?o acha-se definida e tem a sua theoria na sciencia.

Assim como a agua sujeita a uma dada eleva??o de temperatura se evapora e se converte em ar, assim o ar sujeito a uma proporcional depress?o athmospherica se transforma e se converte em agua. Os conhecimentos que j? hoje se possuem da physica do globo permittem determinar os differentes tramites do processo seguido pela natureza para obter os resultados achados pela observa??o humana.

Todo o vento humedecido pela impregna??o aquatica do mar, encontrando na sua passagem um estorvo que o dilate na atmosphera, transforma-se em chuva, ou transforma-se em neve, segundo o gr?u de arrefecimento, maior ou menor, resultante da altura a que o eleva no espa?o o volume do estorvo interposto na sua corrente.

Assim se explica o phenomeno da chuva, a existencia da neve nos pincaros de todas as altas montanhas, e o nascimento dos rios. D'estes, uns, como o Rhodano, o Rheno, o Danubio, s?o formados pela opposi??o das cordilheiras ? corrente regular de certos ventos; outros, como o Mississipi e o Missouri, nascem do encontro das duas correntes atmosphericas oppostas, uma que s?e do golpho do Mexico, outra que parte dos Estados Unidos na direc??o da Europa.

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