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Read Ebook: Chronica de el-rei D. Pedro I by Lopes Fern O
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next Page Prev PageEbook has 381 lines and 34570 words, and 8 pagesN?o se podem t?o temperadamente dizer os louvoures de alguma pessoa, que aquelles, cujas linguas sempre t?m costume de reprehender, n?o achem lugares a elles dispostos, em que ameude bem possam prasmar: e n?s, porque dissemos d'este rei Dom Pedro que era grado e l?do em dar, e n?o dizemos de algumas grandezas que dignas sejam de tanto louvor, poder? ser que nos prasmaram alguns, dizendo que n?o historiamos direitamente. E isto n?o ? por n?s bem n?o vermos que para autoridade de t?o grande gabo n?o se acham ditos em sua igualdan?a; mas, por n?o desviar d'aquelles louvores que os antigos em suas obras encommendaram, contamol-o da guisa que o elles disseram. Bem achamos que nunca se anojava por lhe pedirem, e que mandava lavrar at? cem marcos de prata, em ta?as e copas, para dar em janeiras, e dava-as cada anno, com outras joias, a quem lhe prazia. Accrescentou nas contias aos fidalgos e vassalos, como dissemos; c? o vassallo n?o havia antes de sua contia mais de setenta e cinco libras, e el-rei Dom Pedro lhe poz cento, que eram quinze dobras cruzadas, dobras mouriscas. E por esta contia havia de ter o vassalo cavallo recebondo e loriga com seu almofre, e ? sua morte ficava o cavallo e loriga a el-rei, de luctuosa, e dava-o el-rei a quem sua merc? era: em guisa que com aquelle cavallo e armas, posta contia a outro vassalo, ficava sempre o conto dos vassalos certo, e n?o minguado. No tempo d'este rei, valia o marco da prata de liga dezenove libras, e a dobra mourisca tres libras e quinze soldos, e o escudo tres libras e dezesete soldos, e o mout?o tres libras e dezenove soldos. Lavravam outra moeda de prata, que chamavam tornezes, que sessenta e cinco faziam um marco, de liga e peso dos reaes d'el-rei Dom Pedro de Castella, e outro tornez faziam, mais pequeno, de que o marco levava cento e trinta, e de um cabo tinha quinas, e do outro cabe?a de homem com barbas grandes e cor?a n'ella, e as letras, de ambas as partes, eram taes como as das dobras, e valia o tornez grande sete soldos e o pequeno tres soldos e meio, e chamavam a estas moedas dobra e meia dobra, e tornez e meio tornez. A outra moeda miuda eram dinheiros affonsins, da liga e valor que fizera el-rei Dom Affonso seu padre. E com estas moedas era o reino rico e abastado, e posto em grande abundancia. E os reis faziam grandes thesouros do que lhes sobejava de suas rendas, e, para os fazer e accrescentar n'elles, tinham esta maneira. J? v?s ouvistes bem quanto os r?is antigos fizeram por encurtar nas despezas suas e do reino, pondo ordena??es em si e nos seus, por terem thesouros e serem abastados. Porque sendo o povo rico, diziam elles que o rei era rico, e o rei que thesouro tinha, sempre era prestes para defender seu reino e fazer guerra quando lhe cumprisse, sem aggravo e damno de seu povo, dizendo que nenhum era t?o seguro de paz que pudesse carecer de fortuna n?o esperada. E para encaminharem de fazer thesouro, tinham todos esta maneira: em cada um anno eram os reis certificados, pelos v?dores de sua fazenda, das despezas todas que feitas haviam, assim em embaixadas como em todas as outras coisas, que lhe necessariamente convinham fazer, e diziam-lhe o que al?m d'isto sobejava de suas rendas e direitos, assim em dinheiros como em quaesquer coisas, e logo era ordenado que se comprasse d'elles certo oiro e prata para se p?r no castello de Lisboa, em uma torre, que para isto f?ra feita, que chamavam a torre albarr?. Esta torre era mui forte, e n?o foi por?m acabada. Estava em cima da porta do castelo, e alli punham o mais do thesouro que os reis juntavam em oiro e prata e moedas, e tinham as chaves d'ella, um guardi?o de S?o Francisco, e outra o prior de S?o Domingos, e a terceira um beneficiado da S? d'essa cidade. E para juntarem este oiro e prata, tinham este modo: em todas as cidades e villas do reino que para isto eram azadas, tinham os reis seus cambadores, que compravam prata e oiro ?quelles que o vender queriam, o qual n?o havia de comprar outrem sen?o elles, e acabado o anno, trazia cada um quanto comprara ?quelles lugares onde havia de ser posto em thesouro: e haviam estes cambadores certa cousa de cada pe?a de oiro que compravam, e o que sobejava em moeda punham-no isso mesmo em deposito. Outra torre havia no castello de Santarem, em que outrosim estava mui gran thesouro de moeda e d'outras cousas, em tamanha quantidade, que ante a pontavam fortemente por n?o cair com o muito haver que n'ella punham. E d'esta guisa estava no Porto, e em Coimbra, e n'outros lugares. E posto alli, em cada um anno aquelle oiro, e prata, e moedas que assim ficavam, e que os reis mandavam comprar, quando o rei vinha a morrer, e pr?gavam d'elle e dos bens que fizera, dizendo como o reinara tantos annos e mantivera em direito e justi?a, contavam-lhe mais por grande bondade, e louvando-o muito, diziam:--este rei, em tantos annos que reinou, poz nas torres do thesouro tanto oiro, e prata, e moedas. E quanto cada um rei n'ellas punha, tanto lh'o contavam por muito m?r bondade. El-rei Dom Pedro, como reinou, pareceu a alguns que n?o tinha sentido de ordenar que accrescentassem no thesouro, que os antigos com grande cuidado come?aram de guardar. E vendo isto um seu privado, que chamavam Jo?o Esteves, houve-o por grande mal, e propoz de lh'o dizer, e fallando el-rei com elle uma vez, em coisas de sabor, disse elle a el-rei em esta guisa:--Senhor, a mim parece, se vossa merc? fosse, que seria bem de proverdes vossa fazenda, e v?r o que se dispender p?de, e, do que sobejar, encaminhardes como accrescenteis alguma cousa nos thesouros que vos ficaram de vosso padre e de vossos av?s, para fazerdes o que os outros reis fizeram, e para terdes que dispender mais abundosamente se vos alguma necessidade viesse ? m?o, c? muito mais com vossa honra dispendereis v?s accrescentando no thesouro que tendes, que gastar o que os outros reis deixaram, sem p?r n'elle nenhuma coisa. A estas e outras raz?es respondeu el-rei que dizia bem, e que lhe puzesse em escripto quanto era o que renderiam seus direitos, e a despeza que se d'ello fazia. A poucos dias trouxe o privado, em escripto, tudo aquillo que lhe el-rei dissera, e visto por ambos apartadamente, acharam que tiradas as despezas que os reis em costume tinham de fazer, que s?mente no seu thesouro de Lisboa podia cada anno p?r na torre do castello at? quinze mil dobras. E ordenou logo, como se puzesse cada anno, em oiro, e prata, e moedas, tudo o que sobejasse de suas rendas, nos lugares acostumados onde os reis punham seu haver; por?m que dizia el-rei que n?o fazia pouco quem guardava o thesouro que lhe ficava de outrem e se mantinha nos direitos que havia de seu reino, sem fazendo aggravo ao povo, nem lhe tomando do seu nenhuma coisa. E ficaram todos por sua morte a el-rei Dom Fernando, seu filho, que os depois gastou como lhe prouve, segundo adiante ouvireis. Por outra maneira juntou el-rei Dom Pedro de Castella mui gr?o thesouro, sem mudar moeda, nem lan?ar peitas ao povo: e v?de de que guisa foi, posto que fallemos dos feitos alheios. Assim, adverti que el-rei Dom Pedro estando na aldeia de Morales, que ? uma legua de Toro, jogava um dia os dados com alguns de seus cavalleiros, e tinha-lhe um seu reposteiro-m?r, a cerca d'elle, uns huchotes pequenos com alguma prata e dobras, que seria por todo at? vinte mil: el-rei disse que aquelle era todo seu thesouro, e que mais n?o tinha. Aquelle dia, logo ? noite, estando el-rei em sua camara, Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-m?r, lhe disse:--Senhor, hoje foi vossa merc? dizer, perante aquelles que aqui estavam, que v?s n?o tinheis mais thesouro que vinte mil dobras, de que jogaveis, e com que tomaveis sabor. E isto, senhor, entendo que o dissestes contra mim, por me avergonhar, pois que sou vosso thesoureiro-m?r, e n?o ponho melhor recado em vossa fazenda. Por?m, senhor, v?s sabeis bem que, posto que fosse eu vosso thesoureiro depois que v?s reinastes at? ora, que p?de haver uns sete annos, sempre em vosso reino houve taes boli?os por os quaes os recadadores de vossas rendas se atreveram a fazer coisas que n?o deviam, por guisa que eu n?o pude tomar d'ello conta socegadamente como era raz?o; mas ora se vossa merc? f?r de me mandardes entregar dois castellos, quaes eu disser, eu vos quero p?r n'elles, antes de muito tempo, thesouro com que bem possaes dizer que mais tendes juntas de vinte mil dobras. A el-rei prouve muito d'isto, e foram lhe entregues o alca?ar de Torjillo e o de Fita. Dom Samuel poz logo alli homens de que se fiava, e mandou cartas por todo o reino, a todos os que foram e eram recadadores das rendas de el-rei, des que elle come?ara de reinar at? ent?o, que viessem logo dar conta; e tomava-lh'a d'esta guisa. Por el-rei eram livrados a um cavalleiro, ou outro qualquer, certos mil maravedis de seu poimento, ou d'outra maneira, e Dom Samuel fazia vir perante si todos aquelles a que alguns dinheiros foram desembargados por aquelle a que tomava conta, e dava a cada um juramento, aos Evangelhos, quantos dinheiros receberam d'aquelle recadador por cada uma vez, e quantos lhe deixara por haver d'elle desembargo e n?o ser detido, e aquelle a que taes dinheiros foram livrados dizia que n?o houvera mais de tantos, e que os outros lhe d?ra, de peita, pelo desembargar, porque lhe faziam entender que d'outra guisa n?o poderia haver pagamento. Ent?o, se o recadador n?o mostrasse lugar certo onde lhe todo f?ra pagado, mandava Dom Samuel que a metade de quanto assim levara fosse para o thesouro d'el-rei, e a metade para aquelle que recebera tal engano. E todos os que taes livramentos houveram, eram mui contentes de dizer a verdade, por cobrar o que tinham perdido. E elle juntou, por esta guisa, antes de um anno, n'aquelles castellos, t?o grande thesouro, que era estranha cousa de v?r. E este foi o come?o do mui gr?o thesouro que el-rei Dom Pedro depois teve junto, segundo adiante contaremos. Em tres coisas assignadamente achamos, pela m?r parte, que el-rei Dom Pedro de Portugal gastava seu tempo, a saber: em fazer justi?a e desembargos do reino, e em monte e ca?a de que era mui queren?oso, e em dan?as e festas segundo aquelle tempo, em que tomava grande sabor, que adur ? agora para ser crido. E estas dan?as era a som de umas longas que ent?o usavam, sem curando de outro instrumento posto que o hi houvesse: e se alguma vez lh'o queriam tanger, logo se enfadava d'elle e dizia que o dessem ao d?mo, e que lhe chamassem os trombeiros. Ora deixemos os jogos e festas que el-rei ordenava por desenfadamento, nas quaes, de dia e de noite, andava dan?ando por mui grande espa?o; mas v?de se era bem saboroso jogo. Vinha el-rei em bateis de Almada para Lisboa, e saiam-no a receber os cidad?os, e todos os dos misteres, com dan?as e trebelhos, segundo ent?o usavam, e elle saia dos bateis, e mettia-se na dan?a com elles, e assim ia at? ao pa?o. Paraementes se foi bom sabor. Jazia el-rei em Lisboa uma noite na cama, e n?o lhe vinha somno para dormir, e fez levantar os mocos e quantos dormiam no pa?o, e mandou chamar Jo?o Matheus e Louren?o Palos, que trouxessem as trombas de prata, e fez accender tochas, e metteu-se pela villa em dan?a com os outros. As gentes que dormiam, saiam ?s janellas, a v?r que festa era aquella, ou por que se fazia, e quando viram d'aquella guisa el-rei, tomaram prazer de o v?r assim l?do. E andou el-rei assim gr?o parte da noite, e tornou-se ao pa?o em dan?a, e pediu vinho e fructa, e lancou-se a dormir. E n?o curando mais falar de taes jogos: ordenou el-rei de fazer conde e armar cavalleiro Jo?o Affonso Tello, irm?o de Martim Affonso Tello, e fez-lhe a m?r honra, em sua festa, que at? ?quelle tempo fora visto que rei nenhum fizesse a semelhante pessoa; c? el-rei mandou lavrar seiscentas arrobas de c?ra, de que fizeram cinco mil cirios e tochas, e vieram de termo de Lisboa, onde el-rei ent?o estava, cinco mil homens das vintenas para terem os ditos cirios. E quando o conde houve de velar suas armas, no mosteiro de S?o Domingos d'essa cidade, ordenou el-rei que d?s aquelle mosteiro at? aos seus pa?os, que ? assaz grande espa?o, estivessem quedos aquelles homens todos, cada um com seu cirio accesso, que davam todos mui grande lume, e el-rei, com muitos fidalgos e cavalleiros, andavam por entre elles dan?ando e tomando sabor, e assim dispenderam gr?o parte da noite. Em outro dia, estavam mui grandes tendas armadas no rocio, a cerca d'aquelle mosteiro, em que havia grandes montes de p?o cosido, e, ass?z de tinas cheias de vinho, e logo prestes por que bebessem, e f?ra estavam ao fogo vaccas inteiras em espetos a assar, e quantos comer queriam d'aquella vianda, tinham-na muito prestes, e a nenhum n?o era vedada. E assim estiveram sempre em quanto durou a festa, na qual foram armados outros cavalleiros, cujos nomes n?o curamos dizer. Escrevem alguns louvando este rei Dom Pedro, dizendo que reinou em paz em quanto viveu, e fortuna n?o fez sem-raz?o de encaminhar o come?o, e meio, e fim de seu mando, de viver em socego e folgada paz; c? elle, por morte de el-rei seu padre, achou o reino sem nenhuma briga por que houvesse de haver contenda com nenhum rei da Espanha, nem de outra provincia mais alongada. D?s ahi, como elle reinou, mandou logo Ayres Gomes da Silva e Gon?alo Annes de Beja, a el-rei de Castella, seu sobrinho, com recado, e de Castella veiu a elle, da parte de el-rei Dom Pedro, um cavalleiro, que chamavam Fern?o Lopez de Estu?ega. E tratou-se ent?o, entre os reis, que fossem ambos verdadeiros e leaes amigos, e firmaram d'aquella vez suas amisades. Depois d'isto, a cabo de um anno, estando el-rei Dom Pedro em Evora, chegaram mensageiros de el-rei de Castella, a saber, Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-m?r, e Garcia Guterrez Tello, alguazil m?r de Sevilha, e Gomes Fernandez de Soria, seu alcaide, e trataram, entre os reis ambos, muito mais perfeitas amisades que antes. E foi mais ordenado, entre elles, que o infante Dom Fernando, seu primogenito filho, e herdeiro em Portugal, casasse com Dona Beatriz, filha do dito rei de Castella, e que se fizessem os desposorios, por seus procuradores, d?s fevereiro meiado seguinte at? ao primeiro dia de mar?o que vinha, e as bodas logo no postumeiro dia de abril, e que el-rei de Castella desse ? dita sua filha, em casamento, outro tanto haver quanto el-rei Dom Affonso de Portugal dera, com sua filha Dona Maria, a el-rei Dom Affonso seu padre, e que el-rei de Portugal desse ? dita Dona Beatriz, em arrhas e doa??o, outro tanto quanto seu padre, el-rei Dom Affonso, d?ra a Dona Constan?a, quando com elle cas?ra, e mais, que casasse Dona Constan?a, filha do dito rei Dom Pedro de Castella, com o infante Dom Jo?o, e a outra filha, que chamavam Dona Izabel, casasse com o infante Dom Diniz, e que os desposorios e casamentos d'estes fossem acabados d'ahi a seis annos, e que el-rei de Castella desse taes lugares a cada uma d'ellas, de que houvessem de renda noventa mil maravedis, e el-rei de Portugal, a cada um dos infantes, lugares que lhe rendessem cada anno dez mil libras de portuguezes; e que el-rei de Castella fosse seu amigo, e imigo de imigo, e que se ajudassem um ao outro por mar e por terra, cada vez que requerido fosse, e que el-rei de Castella n?o fizesse paz com el-rei de Arag?o, contra quem lhe elle ent?o requeria ajuda, sem lh'o fazer saber primeiro, nem com outro nenhum rei e senhor. Onde sabei, que esta ajuda, que el rei de Castella ent?o pediu a el-rei Dom Pedro de Portugal, f?ra j? antes pedida por elle a el-rei Dom Affonso, seu padre, quando este rei Dom Pedro de Castella come?ou a guerra contra el-rei Dom Pedro de Arag?o, que foi no postumeiro anno do reinado do dito rei Dom Affonso, segundo adiante vereis; a qual ajuda havia de ser gentes de cavallo por terra, e certas gal?s pelo mar. El-rei Dom Affonso respondeu a seu neto, que elle sabia bem e era certo das posturas e firmid?es que foram feitas entre el-rei Dom Diniz, seu padre, e el-rei Dom Fernando, seu av?, e el-rei Dom Jayme de Arag?o, as quaes todos tres firmaram por si e por todos seus successores, e havido accordo com todos os bons da casa de Portugal, que para ello foram juntos em conselho, achou el-rei Dom Affonso que lhe n?o podia fazer a dita ajuda, com aguisada raz?o: e vista tal resposta por el rei de Castella, cessou de lh'a mais requerer. Morto el-rei Dom Affonso de Portugal, e come?ando de reinar este rei Dom Pedro, seu filho, enviou-lhe o dito rei de Castella rogar que lhe quizesse fazer ajuda por mar e por terra em aquella guerra que ent?o havia contra el-rei de Arag?o; c? isso mesmo tinha elle em vontade de fazer a elle quando lhe cumpridoiro fosse. El-rei de Portugal respondeu a isto, que bem certo devia elle de ser dos bons e grandes dividos que sempre houvera entre os reis de Portugal e de Arag?o, pelos quaes elle com raz?o aguisada poderia ser bem escusado de fazer nem dizer cousa que a elle e a sua terra fosse prejuizo, m?rmente, que entre el-rei Dom Affonso, seu padre, e el-rei Dom Pedro de Arag?o, que ent?o era, foram firmadas posturas e amisades para se amarem e ajudarem, especialmente contra el-rei Dom Affonso, padre d'elle rei de Castella, e que isso mesmo f?ra j? a elle tratado, por vezes, depois que entre elles recrescera aquella discordia; mas, que n?o embargando estas ras?es todas, que entendia que entre elles ambos havia tantos e t?o bons dividos, e assim aguisadas ras?es, por que cada um d'elles devia fazer, por honra e prol do outro, toda coisa que pudesse, e que elle assim o entendia de fazer, tambem em aquelle mister que ent?o havia, como em todos os outros. E que para accrescentar na amisade e dividos que ambos haviam, que lhe prazia de o ajudar n'aquella guerra, que come?ada tinha, mas porquanto, a Deus gra?as, elle era abastante de muitas gentes, muito mais que el-rei de Arag?o, e parte de suas gal?s eram perdidas, que melhor podia escusar a ajuda por terra que a do mar: e como quer que lhe esta mais custosa fosse, que lhe prazia de o ajudar com dez gal?s grossas, pagas por trez mezes, as quaes lhe faria bem prestes quando lh'as mandasse requerer. E foi assim de feito, que lhe fez ajuda por mar duas vezes, e duas por terra, de bons cavalleiros e bem corregidos, durando por longos tempos grande guerra, e muito crua, entre el-rei Dom Pedro de Castella e el-rei Dom Pedro de Arag?o. Mas porque alguns, ouvindo aquisto, desejar?o saber que guerra foi esta, ou porque se come?ou e durou tanto tempo, e n?s falar d'isto podiamos bem escusar, por taes coisas serem feitos de Castella e n?o de Portugal, pero, n?o embargando isto, por satisfazer ao desejo d'estes, d?s ahi porque nos parece que n?o havendo alguma noticia das crueldades e obras d'este rei Dom Pedro de Castella n?o podem bem vir em conhecimento, qual foi a raz?o porque elle depois fugiu de seu reino e se vinha a Portugal buscar ajuda e accorro, e como depois de sua morte muitos lugares de Castella se deram a el-rei Dom Fernando, e tomaram voz por elle: por?m faremos de tudo um breve falamento, come?ando primeiro nas cousas que advieram em come?o de seu reinado, vivendo ainda el-rei Dom Affonso de Portugal, seu av?, com as outras que se seguiram depois que reinou el-rei Dom Pedro, seu tio, das quaes nos parece que se em outro lugar melhor contar n?o podem que todas aqui juntamente, entremettendo seus feitos com a guerra, e primeiro, das cousas que fez antes que a come?asse, por saberdes tudo, em certo, de que guisa foi. Segundo testemunho de alguns, que seus feitos d'este rei de Castella escreveram, elle foi muito cumpridor de toda cousa que lhe sua natural e desordenada vontade requeria: em tanto que dizendo n?s, pelo miudo, tudo o que feiamente se poderia ouvir de seus feitos, ca?riamos em reprehens?o, que n?o eramos escasso de contar os males alheios, mormente taes que s?o pregoeiros de m? e vergonhosa fama, por?m muito menos d'aquelles que achamos escriptos, dos principaes diremos, e mais n?o. Este rei foi muito arredado das manhas e condi??es que aos bons reis cumpre de haver, c? elle dizem que foi mui luxurioso, de guisa que quaesquer mulheres que lhe bem pareciam, posto que filhas-d'algo e mulheres de cavalleiros fossem, e isso mesmo donas de ordem ou de outro estado que n?o guardava mais umas que outras. Era muito cubi?oso do alheio por m? e desordenada maneira, e n?o queria homem em seu conselho, salvo que lhe louvasse sua raz?o e quanto fazia. Matou muitas honradas pessoas, d'ellas sem raz?o por lhe darem bom conselho, e outras sem porque, e por ligeiras suspeitas, em tanto que muitos bons se afastavam d'elle muito anojados, por temor da morte: c? nenhum n?o era com elle seguro, posto que o bem servisse, e lhe elle muita merc? e honra fizesse. E deixados os achaques que a cada um punha por os matar, s?mente, em breve, das mortes digamos, e mais n?o. No segundo anno de seu reinado foi morta D. Leonor Nunez de Gusman, manceba que f?ra de el-rei seu padre, e madre do conde Dom Henrique, que depois foi rei; e posto que alguns digam que foi por mandado da rainha Dona Maria, sua madre, certo ? que ella n?o mandaria fazer tal cousa sem consentimento de el-rei seu filho. E deu el-rei a sua madre todos os bens de Leonor Nunez. Mandou el-rei matar Garcia Lasso da Veiga, um grande fidalgo de Gastella e muito aparentado de genros e parentes e amigos, por suspeita que d'elle houve. Mandou matar tres homens bons da cidade de Burgos, a saber, Pero Fernandez de Medina, e Jo?o Fernandez, escriv?o, e Affonso Garcia de Camargo. Idem, cercou Dom Affonso Fernandez Coronel, na villa de Aguilar, e entrou-o por for?a, e mandou-o matar, e Pero Coronel seu sobrinho, e Jo?o Gon?alvez d'E?a, e Pero Dias de Quesada, e Rodrigo Annes de Beema, e Jo?o Affonso Carrilho, mui bom cavalleiro. Mandou el-rei pedir a el-rei de Fran?a que lhe desse por mulher uma das filhas do duque de Bourbon seu primo, e de seis filhas que elle tinha, escolheram os mensageiros uma, que chamavam Dona Branca, mo?a de 18 annos e bem formosa, e receberam-na em seu nome. E como el-rei Dom Pedro isto soube, mandou que lh'a trouxessem logo, e enviou el-rei de Fran?a com ella o visconde de Cardona e outros grandes cavalleiros de sua terra, que lh'a trouxeram mui honradamente; e deu-lhe com ella mui gr?o casamento em oiro e prata e outras riquezas, e foram ent?o feitas as dobras que chamaram de Dona Branca, e os reaes de Castella de el-rei Dom Pedro. E emquanto os mensageiros foram tratar este casamento, tomou elle por manceba Maria de Padilha, que andava por donzella em casa de Dona Isabel de Menezes, filha de Dom Tello de Menezes, mulher de Dom Jo?o Affonso de Albuquerque, que a criava. E tal vontade poz el-rei n'ella, que j? n?o curava de casar com Dona Branca quando veiu, tendo j? da outra uma filha que chamavam Dona Beatriz. E por conselho de Dom Jo?o Affonso de Albuquerque, pero muito contra vontade d'el-rei, ordenou de fazer suas b?das em Valhadolid, e foram feitas uma segunda feira. E logo ? ter?a seguinte, como el-rei comeu, a cabo de uma hora, deixou sua mulher, que n?o valeu rogo nem lagrimas da rainha Dona Maria sua madre, nem da rainha de Arag?o sua tia, que o pudessem ter que se n?o partisse, e levou tal andar que foi essa noite dormir ? aldeia de Pajares, que s?o dezeseis leguas de Valhadolid, e em outro dia chegou a Montalban, onde estava Dona Maria de Padilha. E tinha el-rei, quando partiu, e alguns dos que com elle iam, mulas em certos lugares, pero n?o chegaram com elle mais de tres; e foi por isto grande alvoro?o entre os senhores e fidalgos do reino que alli eram, e alguns foram logo partidos d'el-rei. Depois, por afincado conselho, tornou el-rei a Valhadolid e esteve com sua mulher dois dias, e nunca mais puderam com elle que alli assocegasse; e partiu-se e nunca a mais quiz v?r. E o visconde e cavalleiros, que com ella vieram, se partiram sem mais falar a el-rei. Sendo viva esta rainha Dona Branca, n?o havendo mais de um anno que el-rei com ella casara, pareceu-lhe bem Dona Joanna de Castro, filha de Dom Pedro de Castro, que chamaram da Guerra, mulher que f?ra de Dom D?ego de Alfaro, e commetteu-lhe por outrem que casasse com elle. E ella n?o querendo, porque el-rei era casado, disse elle que tinha raz?es por que o n?o era: e mandou aos bispos de Avila e de Salamanca que pronunciassem que podia casar. E elles, com medo, disseram-no assim, e foram recebidos na villa de Qualhar, dentro na igreja, solemnemente, pelo bispo de Salamanca que os recebeu ambos. Em o outro dia partiu el-rei d'alli, e nunca mais viu esta Dona Joanna: e ella chamou-se sempre rainha, pero n?o prazia a el-rei d'ello. A rainha Dona Maria tomou comsigo sua nora e foi-se para Outerdesilhas, e d?s-ahi mandou-a el-rei levar guardada a Revollo, que a n?o visse sua madre nem outro nenhum, e depois a teve presa em Medina-Sidonia e alli a mandou matar, sendo ent?o a rainha com idade de vinte e cinco annos, muito sisuda e bem acostumada. E elle teve ordenado de mandar matar Alvaro Gon?alves Mour?o, e Dom Alvaro Perez de Castro, irm?o de Dona Ignez, madre de Dom Jo?o e de Dom Diniz, filhos de el-rei Dom Pedro de Portugal, sendo ent?o infante; e foram percebidos por Dona Maria de Padilha, que lh'o mandou dizer, e assim escaparam de morte. Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page |
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