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Read Ebook: Salmos do prisioneiro by Lima Jaime De Magalh Es
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next PageEbook has 104 lines and 10951 words, and 3 pagese bemditas onde a minha alma recebeu a gra?a de peregrinas almas de pureza, onde sentiu a companheira e guia, enviada de Deus, para que no mundo lhe fosse amparo e a fortificasse, e a Deus a conduzisse, ? eternidade do amor divino. D?ste modo me prendes, se te encontro. D?ste modo sou teu, se te colhi. Est? adormecido o vento do outono. ? c?r de rosa a aurora pregui?osa em seu ber?o rendado de neblinas; e rutilante o manto com que cobre a campina onde a noite e a madrugada mansamente verteram a ternura de um luminoso pranto cristalino. Entre os orvalhos vem a despontar, em hastes d?beis, hirtas, ainda palidas, sementes germinadas na frescura da terra j? banhada pelas chuvas dos derradeiros dias de setembro. S?o legi?es bemditas que conquistam o ch?o e o seu poder e os seus tesouros para os sonhos floridos de verdura, que a primavera sonhar? no encanto do colorido esplendor do seu triunfo, e para as messes doiradas do estio, c?lice de oiro que se faz em sangue, sustento e amor que nos fortalece o peito e os nossos bra?os e nos aquece e alenta o cora??o. E os orvalhos que a manh? fez diamantes, e as turgidas sementes a crescerem, seu doce brilho e seu infindo anseio de eterna juventude, eternamente renascida e erguida do p? e da secura, a reden??o das cinzas apagadas do estio na brandura outonal e sua esperan?a, emquanto me adormecem no seu canto, murmurando-me os salmos dos seus c?ros, louvando ao Deus que os engrandece e exalta, na pr?pria obedi?ncia me teem preso, acorrentado ? terra na qual bebem todo o vigor e for?a de crescer, e arrebatado aos c?us que lhes ensinam, e por eles me dizem, o misterio da sua caridade, a gloria da sua aspira??o e o enlevo da sua formosura. Vive oculto um misterio em cada peito. Se o sangue o anima e move, insinuou-lhe um ser de luz ou treva, a for?a eterea, a do bem e a do mal, o fogo que consome e o que alumia, a cegueira mortal que precipita em profundas gehenas insond?veis, onde s? a piedade vae salvar-nos, e o sonho que alevanta a espa?os limpidos, onde os olhos n?o chegam nem alcan?am e s? o nosso cora??o p?de subir. E ?sse deus ?ntimo, ou seja luz ou treva, ou d?r ou ben??o, todo respira e vive em um alento, todo nele se evola e nele existe. O rouco arfar de um peito moribundo, no combate da morte inexoravel; o latejar irado da paix?o, brazas ardentes da cobi?a e inveja; a tremura da ave no seu ninho, sopro ofegante de animal bravio, na incerteza da sorte e seu terror; a timidez da cor?a perseguida, a crian?a dormindo no seu ber?o e os anjos que a visitam e em torno adejam; o cavador prostrado de fadiga, o velho repousando docemente, no repouso de quem j? avista proximo o termo dos enganos d?ste mundo; a mansa vibra??o das ora??es, o brando devaneio enamorado, e a tortura do mal que ? irreparavel, e o anseio oprimido da saudade... Que vidas se conteem em um s? alento e no breve erguer do peito que o desprende! Que infinitos misterios nos confessa, em que mudez divina nos descobre o que a voz mais clara n?o traduz, quantas lagrimas chora e em que alegrias de uma celeste luz banha a nossa alma! Quanto se encerra e vive em um s? alento!... Respirar ? amor ou avers?o, esperan?a ou dana??o, supl?cio ou ben??o. Nunca houve alento que me n?o prendesse. Dos ruins me fez escravo a compaix?o, e aos bons foi por amor que me prendi. A viuva contou-me o seu romance, onde nascera e am?ra e onde chor?ra, seus folguedos, esperan?as e infortunios, em que Deus lhe ensin?ra a obedi?ncia ? sua lei divina. A casa de seus pais era pequena, nas terras do morgado, ao qual levavam, em cada ano, pelo S. Miguel, o p?o, o vinho e aves, copioso quinh?o, e o melhor, dos bens que o seu amor pedira ? terra e a miseric?rdia do Senhor cri?ra. Entre a pobreza o mundo lhe sorriu. Na pobreza cresceu e, descuidada, na pobreza cantou, teve alegrias, conduzindo as ovelhas no pascigo pela charneca agreste e pela encosta, segando o prado quando abril floria, debru?ada na ceifa ao sol de julho, tingindo os bra?os no rubor do mosto e erguendo-os ao luar calmo de agosto a tanger a harmonia dos eirados. Depois, no dia memoravel do arraial, ao p? da capelinha da montanha, quando l? foi a ve-la em sua gloria, t?o linda e t?o garrida de grinaldas por tributo piedoso da candura que lhe guardou e deu quanto a terra sonhou de mais formoso, turvou-se de tristeza a singeleza, e estranhas magoas, venturosas magoas, anseios de paix?o ergueram o peito daquela mesma alegre rapariga, criada na pobreza e no trabalho, enamorada agora do mo?o que a segue e a acompanha, sombra apolinea que a gra?a e a gentileza fascinaram. E, ent?o, vieram o quebranto que esquece a obriga??o, as tardes prolongadas junto ? fonte, segredos murmurados no sil?ncio da aldeia adormecida, e as timidas palavras de carinho que os labios dizem mal e incertamente, e a mudez de melanc?lico scismar, e a confiss?o do olhar, ardor sem mancha, onde a nossa alma ? luz e o cora??o vencido vem entregar-se. At? que um dia as rosas desfolhadas no limiar da porta anunciaram a quem na estrada fosse na jornada que o c?u aben?o?ra mais um ninho. E ao p?r do sol, quando o fumo dos casais se ergue e protege o t?pido repouso do trabalho, mais um lar se acendeu e palpitou ? beira da azinhaga, entre os ulmeiros. Depois ainda, volvidos breves mezes de afei??o, os devaneios daquela enamorada de algum dia todos se trocaram por desvelos do ber?o e por cantares de mansid?o dolente enternecida em que a m?e aquecia o filho ao seio. Criou seis filhos. Uns andam dispersos, al?m-mar, na aventura de cobi?as; outros ali habitam ao redor, nas aldeias visinhas donde avistam esse mesmo casal em que nasceram; e todos, em ch?o estranho ou terra patria, redizem fielmente as ora??es do trabalho e amor e cren?a e f? que no rega?o materno repetiam. Por fim, a aza negra, a viuvez!... As agonias de um alento que se esv?e, esperan?as que se apagam dia a dia; e a morte e o seu sil?ncio desolado que levaram do lar o companheiro; e a escurid?o da fr?gida vig?lia escutando debalde aquela voz que n?o mais voltar? contar-lhe as horas; e o cansa?o do mundo, inerte e p?lido, porque j? n?o o aquece nem ilumina a chama do cora??o que o iluminava. A terra, para a viuva, era um crep?sculo, tal qual ?sse suave entardecer em que serena me contou o romance da sua vida austera e prolongada, vivida s? para amar e para servir, e ainda agora servida com afecto ao renovar-se na lembran?a amorosa que a evocava e parecia beijar-lhe o rasto e os passos pelos quais seguira a receber de Deus, como esmola bemdita da sua gra?a, a amargura, a alegria, o riso e o pranto, quanto em sua vontade ?le mandasse. Ao ouvir as palavras da viuva, no meu peito sentindo transfundir-se toda a ventura e d?r que ela sentiu, bebi o calice que me descerrava, aquele calice que o Senhor lhe d?ra, e fui cativo em minha alma e prisioneiro at? do proprio am?r que outros amaram. Companheira fiel da minha estrada, sempre a meu lado a m?goa me seguiu. Comigo ela subiu ?quela altura onde feliz me viu e amorteceu venturas passageiras de um momento. Entre alegrias a senti guardar-me. Calcou passo a passo o meu calv?rio, entoando-me os salmos da sua cren?a, sua f? compassiva e resignada em que a esperan?a, desfeita e convertida no supl?cio da desilus?o, nem assim foi maldita ou desamada. Em todo o seu poder me iluminou; na sua mansid?o curou as feridas do rigor de infort?nios e tormentos, e na sua amargura saciou-me toda a s?de de amor do cora??o que por amar bemdiz o seu mart?rio. J? no ber?o a encontrei a bafejar-me com o seu t?pido alento aquelas l?grimas, cl?ras, abundantes e div?nas com que Deus me banhou a meninice. Ouvi o seu lamento dominando o rouco clamor das multid?es que entre o terror nos fere a consciencia. Entorpeceu-me os bra?os na batalha a que fui disputar os bens da terra. Quebrou-me a crueldade em seu desvairo. Carinhosa, protege-me a velhice. Ou abril desfolhasse as suas rosas, ou novembro arrastasse os seus despojos, ou as ?guas dissessem seus encantos, ou no monte adorasse a magestade, em toda a natureza, na mais feliz e doce e sorridente como entre a inclemencia a mais sev?ra, ouvi a voz de m?goa redizendo-me desenganos do mundo e consolando-me, na consola??o bemdita de a sentir. E quanto mais deserta foi a estrada e mais cerrado e fundo o seu sil?ncio, mais quis ? m?goa que me acompanhou; a? me possuiu inteiramente, e a? se me entregou, candidamente, isenta de temor e de segredo. Essa foi a que mais amei na terra; foi essa que eu beijei na solid?o, nascida do meu peito e nele oculta de corrompidos olhos que a profanem, no meu peito habitando e respirando sua d?r e mudez, seu alimento, no meu peito guardada e aquecida, para s? viver com ?le e a? morrer, ao abrigo do mundo e da trai??o, para s? viver emquanto ?le viver, revestida dos v?us do seu pudor, reclusa que nutro do meu sangue e j?mais beber? outro sustento. Essa foi minha luz e companheira. Essa teve a pureza dos sacr?rios. Essa me exaure a vida, e por sofr?-la eu quereria para sempre a vida, aquela vida a que a m?goa me prendeu. Rompeu clara a aurora de dezembro. O vento da manh? desce dos montes difundindo a secura s?bre a terra. As neblinas alvas carinhosas, ?speramente proscritas pela briza que do oriente corre a persegu?-las, mal se suspeitam longe s?bre o mar, exiladas do rio em que vogavam, brandamente cobrindo as suas ?guas, e banidas do vale onde habitavam, tranquilas, seguras, resguardadas no repouso do prado entre os salgueiros. Um translucido c?o vem acordar a mais pequenina forma ignorada. ? clara a montanha e o pinheiral, e a inquieta??o da ?gua da levada e o ribeiro profundo em que ela amaina as serenadas ondas passageiras. ? clara a encosta pedregosa, inculta, e a aldeia e o sobreiral em que se abriga. E os carvalhos da estrada e os pomares e a lhama prateada da oliveira, e o comoro espesso e a madresilva que nele tece a rede dos seus ramos, e o medronheiro verde reluzente, e o musgo do valado e os seixos brancos, esmaltando a charn?ca escurecida pelas hastes das urzes lutuosas, todos teem seu quinh?o na luz dos c?us, de todos ?le disse a formosura atrav?s do cristal dessa manh?, dessa aurora sem nuvem de dezembro. Aos olhos deslumbrados desvendou quanto a terra criou de mais altivo, quanto ? soberbo, grande e magestoso, e quanto de mais humilde ela gerou, quanto timidamente se escondeu nas pr?gas mais sombrias do seu manto. Em seu triunfo a luz os tem igualados; um s? esplendor os enaltece. E entre tanta riqueza que ela ostenta, em t?o pura gl?ria fascinando, quis estranho mist?rio que a esquecesse e, rebelde ao encanto, apenas visse e sentisse e amasse, subjugado, a rosa solit?ria mal aberta, derradeiro murmurio do rosal que penitentemente vai sofrer sua nudez sev?ra do inverno. S? ela me prendeu e cativou, s? por v?-la adorei a claridade e tudo o mais senti como dormindo, distante, inerte e frio, silencioso. ? que, talvez, meu pobre cora??o e o ardor que o consome e ?le alimenta, sejam pouco e n?o bastem para adorar a doce palidez de uma s? rosa!... ? que, talvez, prendido s? ? rosa e transportado todo em seu perfume, nem assim lhe pagou, mesquinho e misero, o tributo do amor que ?le lhe deve!... < Quadro de Paul de Plument. Respira austeridade aquela est?ncia, a cuja porta cessa, pro?bido, o rumor apressado dos escravos, comprados, seduzidos pelo oiro, para servirem a gula, o capricho e a indol?ncia dos fracos e orgulh?sos, abundando no f?usto, e ocultando nos fumos e vaidades da grandeza a mis?ria dos bens da alma e do corpo, um ser enf?rmo que a for?a desherdou e o ?nimo robusto desconhece; e ? t?o pobre de alfaias a morada onde a vi < Esplendor que a engrande?a, outro n?o tem, nem quer, nem recebeu, sen?o a luz do sol e a do crepusculo, e a da aurora, e o luar, e a estrela, e a palidez da nuvem errante, quanto dos c?us lhe vem, a visit?-la, infinitos e prodigos tesouros dos que a presen?a do Senhor protege. Pela fresta rasgada na parede, amplamente aberta ? sua ben??o, vem os ?stros ungir a solid?o e a obscura pobreza que a agasalha. Mas, iluminada dessa luz bemdita, da luz vinda dos c?os, eis que a velhinha que na cela habita, e ali vi < E entre vis?es que ent?o a rodeiavam, recitando-lhe os salmos, todos lidos no seio que sofrera e confi?ra a afectos e ternuras e carinhos a ventura e a sorte de um palpitar ardente, apaixonado de alegrias e penas e anseios, renasceu transmudada e foi feliz aquela que < Nessa imagem em que a terra me mostrou na solid?o a bemaventuran?a, nessa imagem me tem prendido a terra, a rogar-lhe que acorde na minha alma os sonhos redentores, que ali sonhou aquela que eu segui na solid?o, e ali, na solid?o, edific?ra, de cristal e sem mancha, resplendente, o seu cl?ustro e templo onde guardava, sagrada e isenta, toda a sua f?. Se Deus me concedesse o seu pod?r e o Senhor permitisse que um momento eu vivesse em puro esp?rito, convertendo a mis?ria em candidez, eu quereria erguer-me ao cimo casto e austero da montanha, da mais alta montanha que avistasse, e a?, tocando a terra t?o s?mente no p?ncaro agudo revestido dessa sagrada alvura imaculada que ? a neve branca, eterna, incorrupt?vel, a? me despiria totalmente da mentira implac?vel que nos prende, a? libertaria o cora??o em seus la?os mortais t?o oprimido, a? os soltaria para seguir humilde e fielmente o seu anseio. Quanto penso e a raz?o me contradiz, a oculta rebeldia desleal que jura por certeza a pr?pria d?vida, quantas palavras digo que eu n?o sinto, quantos passos eu dou atrai?oando meu querer e vontade e aspira??o, onde obede?o ?s conven??es do mundo e onde ? impostura cedo por fraqueza, o falso pranto que cobre a indiferen?a e o riso em que o enfado anda escondido, e o louvor sobrepondo-se ao despr?zo, e o despr?so negando as afei??es, e o sil?ncio em que a voz estrangulei s? porque estranhos podem desama-la--de todo o pervertido engano em que, inerte e prostrado, sou levado, enganado e enganando, mentindo ? consci?ncia, aos c?us e aos homens, de toda a confus?o d?sse tumulto em que o ?mpio sacia o seu esc?rneo, eu iria isentar-me, dissipando-o no cimo glorioso da montanha, revestida da neve imaculada. E para que f?sse tal qual um cristal feito s? de luz, assim eu lavaria o cora??o de quanto na mentira o enegrece. E ent?o me sentiria redimido porque s? a Verdade me prendia! Segui de olhos vendados a ilus?o. Para que n?o visse a aspereza do meu trilho, para me guardar de espectros que o assaltam, para me ocultar torpezas d?ste mundo, cegou-me e desviou-se do caminho, juncado s? de cardos, em que um r?spido destino me trazia. Ergueu-me em suas azas e levou-me ?quela altura onde n?o ha treva e a luz n?o tem fraqueza nem crep?sculo, onde os espinhos se convertem em rosas, onde o veneno se transforma em filtros salutares vivificantes, e a amargura e a d?r e toda a pena se dissipam em auras incensadas. Se, por?m, a ilus?o me abandonou e o desengano apunhalou o meu peito e o fez chorar, n?o descri da ilus?o nem a neguei. Sentindo-me infeliz, pedi aos ceus que aos anjos de ilus?o me confiassem, que de novo os mandassem libertar-me da vileza da terra e seu tormento, da malqueren?a, do odio e da avareza, de quanto mal nos prostitue a alma e atrai?oa o Senhor. Pedi-lhes a cegueira da ilus?o, pois quanto mais me cega mais a amo, mais distante me leva da ruindade, mais no seio de Deus me faz sonhar. Tanto a amei e lhe dei meu cora??o, tanto lhe quiz meu peito e a adorou, que j?mais me rendi ao inimigo. Se o desengano me assalta e fere e prostra atormentado, n?o lhe imploro gra?as ou cons?lo, s? da ilus?o espero a fortaleza. Prendeu-me nesta vida! Fui seu servo. Assim na morte a encontra bemfazeja!... De cont?nuo lhe rogo, humildemente, que na morte me guie e arrebate das certezas mesquinhas d?ste mundo ? incerteza feliz em que ela reina e em sua ben??o nos redime e exalta. Passa ligeira a nuvem no luar. E, por momentos, foi obscura palidez incerta aquele espa?o ha pouco resplendente, adormecido na mais d?ce luz. Que ? dessa alvura que vestia a terra? Que ? da brancura que a purificava?!... Uma sombra turvou a imensidade. Como se os astros desmaiassem timidos e um estranho terror os apagasse, afrouxa e hesita a sua claridade e quanta brandura e calma ela derrama. ? que uma nuvem perpassou errante e etereamente se esvaiu e perde. Filha das ?guas, leve, inconsistente, s? para mudar nascida, estranho ser que n?o vive um instante a mesma vida e a todas experimenta e a todas deixa com igual desamor e igual capricho, imagem fugidia de um efemero del?rio descontente, t?o pequenina e fraca, a nuvem foi mais forte que o pod?r mais ardente das estrelas e pode te-lo turvado, escurecido e humilhado. Ai de mim, ai de mim!... Sei seu mist?rio! Porque assim ? tambem a minha sorte. Uma nuvem venceu a luz dos c?us; e a mim vencem-me os sonhos toda a luz que do meu cora??o se ergue e desprende, carcereiros da d?r e da ventura, desp?ticos senhores e poderosos de toda a gl?ria e m?goa do meu peito. Ouvi chorar a noite porque a orgia lhe roubara o sil?ncio, o companheiro. Quando o c?u lhe acendeu suas estrelas e no seu negro manto esmoreceu todo o brilho que o sol cria na terra e toda a formosura que ele afaga, na benigna hora recolhida em que a noite murmura a sua paz e acorda em seu mist?rio as ora??es que nos prendem a Deus e aos seus mandados e nos revelam aquilo que sustenta o cora??o, quanto o eleva e quanto o enternece, quanto lhe abranda a m?goa e o incendeia, e quanto o arrasta exangue em seus lamentos--nessa hora bemdita, ? paz da noite e ? sua reden??o respondeu o alvoro?o e o sacril?gio de multid?es perdidas no torpe ardor de indignas cobi?as. Abandonadas ? sordida torrente da impiedade, onde se afoga a candura e a f? e toda a ess?ncia que em nossos cora??es renova e alenta a imagem e a vontade do Senhor, e do mundo nos ergue a ?sse seu reino de amor e de perd?o e de pureza, ignoram a noite e o seu consolo. Impenitentes reprobos, profanam o divino sil?ncio emquanto escutam o rouco clamor da perdi??o. E a noite, que orvalhou a bonina e acalmou os ramos agitados da floresta e adormeceu o rebanho e o seu pastor, que soltou mais clara a voz das ?guas e fez crescer a sombra da montanha, cingindo-a de grandeza e fortaleza, e compassiva veiu mansamente a resgatar de penas e trabalhos os vilares e casais afadigados, prostrados da canseira que d? o p?o--a noite, o arauto sagrado do sil?ncio, sua m?stica s?rva e confiada, sentindo que uma chama infernal a prostitue e no seu crepitar a martirisa, chorou amargamente o desvairo infiel que, ultrajando o sil?ncio, o aborreceu na inj?ria que o trocou pelo rumor da cidade enlouquecida. Ouvi chorar a noite atrai?oada porque uma orgia atroz afugentou o seu supremo bem e companheiro que a inspira e lhe diz salmos divinos, o sil?ncio que ela ama e ? o seu esposo. E ent?o, ferida e dorida, me prendeu em compungidos la?os da sua m?gua, apertados e estreitos, como aqueles, bemvindos e queridos, que eu senti quando a vi, docemente, a proteger a bemaventurada terra a que trazia seus carinhos de sombra e de mudez. Mal me aparta da esperan?a o desengano, logo vem a prender-me nova esperan?a de trazer a esta terra e v?r perfeitos os infinitos sonhos da minha alma, ?sses que por Deus sonho e Deus me d?. Add to tbrJar First Page Next Page |
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