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Read Ebook: Salmos do prisioneiro by Lima Jaime De Magalh Es
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next Page Prev PageEbook has 104 lines and 10951 words, and 3 pagesMal me aparta da esperan?a o desengano, logo vem a prender-me nova esperan?a de trazer a esta terra e v?r perfeitos os infinitos sonhos da minha alma, ?sses que por Deus sonho e Deus me d?. De cada m?goa me levanta e ergue, suave e doce e caridosamente, o despontar da estrela da alegria, vis?es que vem dos c?us a ilumin?-los. Em toda a queda me protege e amp?ra um eterno poder de fortaleza que me afoita e me manda caminhar. Onde vem desenganos desfazer desditosas venturas que find?ram, o seu cutelo ? aquela d?r sagrada que em um s? golpe d? a morte e nos reanima, que ao mesmo tempo ? pena e ? a indulg?ncia, que da pr?pria amargura tira alentos para imp?r a servid?o de nova esperan?a. Onde, inclemente, o desengano ferindo-me me terminou enlevos e encantos que uma s?bita treva escureceu, a? mesmo me mandou o seu socorro, seus anjos bons que acendem nova luz para me guiar na estrada e transportar-me aos reinos em que a esperan?a ? a salva??o. Sem condi??es, rendi-me ao desengano. Divino portador de muitos bens, j? n?o o temo se vem ao meu encontro, pois nunca me mentiu e, se me punge, ? para dar o meu sangue a nova esperan?a, e nessa esperan?a me alongar a vida, e alongando-me a vida me ensinar o amor do Senhor de que ?le ? escravo. Adormeci na escurid?o da noite--cobria-me o luar quando acordei. Na tr?va se esva?u a consci?ncia--restituiu-ma a luz vinda dos c?us! A fadiga do dia, as canseiras e penas que atormentam a vida descontente porque o mundo lhe combate e lhe oprime a aspira??o; os sonhos de bondade malfadados, ru?ndade que escarnece da do?ura, ast?cia que injur?a a candidez, desam?r que responde ao bemquerer, ostenta??o preterindo a singeleza, a jact?ncia suprindo a descri??o, a pureza entre lagrimas tra?da, a pobreza arrastada em seus andrajos e a mentira orgulhosa em seus fulgores; pervers?o, crueldade, a fome e o ?dio disputando os retalhos miserandos da riqueza mortal que a terra d? e ? qual chamam os seus bens ?sses escravos que outros bens da alma nem sequer suspeitam, no mesmo trilho em que a cubi?a os leva--todo ?ste amargor que o passar de cada hora nos distila, o dorido bater do cora??o que em calv?rio de amor verte o seu sangue, ?sse era meu algoz e companheiro quando a noite desceu e se cerrou. Assim me adormeceu imerso em m?goa, e assim eu confiei meu desalento ? treva e ? inconsci?ncia, sem outra esperan?a que n?o fosse aquela de mais sofrer ainda e despertar mais forte para o sentir e para o servir, para mais longe arrastar a minha cruz. Quando acordei, por?m, sorria a terra no vestalino alv?r que era o seu v?u. E disse-me a brancura do luar: --< Pelos degraus de marmore subi ? morada dos grandes que se abrigam sob tetos dourados, arrastando os enfadados ?cios da riqueza. Benignamente me acolheu o seu fausto; e generosos, sen?o indiferentes, repartiram comigo os seus banquetes onde o destino os apartou do vulgo, para afagar-lhes volupias caprichosas que o t?dio implacavel lhes segreda. Do seu esplendor tamb?m fui escravo; tamb?m me deslumbrou, tamb?m o quiz e entre surpreza e espanto o experimentei, na embriagu?s daquela estranha e p?rfida beleza que no luxo se acoita e n?le oculta, sob um manto divino e formosura, em purpura e no jaspe e na ametista, uma trai??o cruel de outra beleza--da infinita beleza que ? sing?la e humilde e ? castidade, que ? a isen??o sem temor e ? a caridade, que ? a alegria em Deus e na pobreza, que confiou ? terra o seu sustento, que ? eterna, que n?o mente e n?o desmaia, e nos d? a vida e para sempre afasta a morte, porque o Senhor a mandou e a aben?oou. Ou f?sse desengano ou f?sse esperan?a de ventura maior que essa, mesquinha, que sendo ouro ? p? e em p? se volve, sentindo-me indigente me apartei da rijida frieza dos pal?cios, peregrino votado a incerta estrada. E vim aos casais pobres, a pedir-lhes esmola de consolo e fortaleza, toda a luz da alma e o calor de afectos e o louvor de Deus que a soberba baniu, na ignor?ncia do seu alto poder; vim pedir-lhes a firmeza e coragem, que no orgulho andam pervertidas, e o trabalho e a f? que s?o braz?o, altar e epopeia d?sses tugurios razos como o zimbro em que o teto mal cobre, a custo abrange, uma enxada e o ber?o e o cora??o, doirando s? de amor e de fadiga um lar estreito, a rudeza das pedras mal unidas e os colmos negros que as revestiram. ? grande e altivo o cedro e ? magestoso na opulencia profunda das suas frondes; e ? pequenino o musgo que se arrasta no recato obscuro da sua sombra. Mas vestiu luto e tristeza o cedro alto e um severo desdem da sorte alheia; e s? sonhou do?ura o musgo humilde, n?o houve mansid?o que o n?o beijasse, n?o houve esplendor que o n?o cobrisse. E o vendaval partiu o cedro robusto e sem vida o prostrou para desfazer-se; e o musgo n?o sentiu a tempestade, sorriu ? viol?ncia quando o a?oita como sorriu ao sol quando o alentava. Seja o pal?cio como o cedro alto! Seja a cabana como o musgo humilde!... Ah! F?sse eu o senhor do meu destino e da minha fraqueza me remisse, soubesse eu servir meu cora??o para que o seu anseio consumasse, e eu iria prend?-lo na choupana, onde a suma beleza e o sumo bem, seus tesouros e luz e os seus coros, s?o os seios que d?o vida amamentando e os bra?os que d?o o p?o cavando a terra! A ave chora e geme enlouquecida derramando a tristeza na floresta. Desnaturada m?o lhe roubou os filhos para os votar ? morte na tortura. Em v?o soltou a ave o seu clamor da materna agonia enternecida. Em v?o chamou, dorida, anciosamente, por quem responda e queira ao seu amor, sedento, insaciavel de outro amor que agora n?o encontra e experimentou em freimas e fadigas e carinhos de afortunados dias prolongados!... J? desmaia o poente e, descorado, deixa crescer a noite e se abandona a todo o seu imp?rio. Sentiu-a aproximar-se a ave infeliz. Redobra e ? mais aguda e mais a oprime a lacrimosa m?goa em que se perde. ? noite; ? noite!... ? a escurid?o e o frio e o desamparo. Que peito o seu amor vai proteger?... Por quem h?-de correr todo o seu sangue?... Quem vir? receber-lhe o seu alento?... Que boca o seu calor h?-de aquecer?... Para que a vida sen?o para dar a vida?... Para que, sen?o para a dar s? por amor?!... Ao fim, na solid?o como contricta de tamanho sofrer em que comunga, ao gemido da ave respondeu a d?r, a companheira que encontrou em seu t?pido ninho onde afag?ra os sonhos de ventura malfadados. E ao lamento da ave me prendi, como se prendem cora??es irm?os. Porque, escutando-o, repetiu e disse a fortuna e desgra?a do meu peito--quanta ilus?o e sonho arrebatado s? por amor criou e acalentou, e quanto padecer ? o seu mart?rio quando a sorte sinistra lhe converte seus enlevos mais belos na amargura. D?sde o romper da aurora, quando o sol iluminando a terra me acordou os bra?os e o afecto para a servir, and?ra a revolv?-la, respirando-lhe alentos da negrura aben?oada, e generosa e d?ce, que me paga com todo o amor dos pomos e das rosas meu trabalho mesquinho e o meu amor, meu pobre amor fiel de obreiro d?bil. ?sse humilde labor adormeceu-me o cora??o cansado e dolorido das lutas e paix?es que o mortificam nesta jornada ingrata, onde se arrasta sofrendo a sua cruz, p?nas do mundo. Esqueceu seus anseios infecundos, seu malogrado arrojo para se erguer ? altura das vis?es que o seduziam. Esqueceu suas ruins turba??es e o seu error entre ambi??es, escuros cativeiros, que em meandros sem fim, de treva e d?r, inclementes mudaram a do?ura feliz da candidez na cerra??o de l?vidos tormentos. A? desconheceu, como se nunca as houvesse sentido em seus infernos, a impiedade, e a inveja, e a soberba, e a impostura, e a trai??o da hipocrisia, espectros negros que entre os homens o cercam e em v?o tentaram desprend?-lo de Deus, precipitando-o na mentirosa f? e nos enganos de suas recompensas e prazeres. ?sse mundo que o ferira e ensanguent?ra, ali se dissip?ra e se perdera sob os afagos brandos, caridosos, que a terra lhe mandava a ensinar-lhe a paz e a alegria na vontade e misericordia do Eterno, tais quais as encontrava nos rosais, na espessura e nos silvados. Resgatado, emquanto por amor servia a terra, abandonou-se ? ingenua lei da terra, na terra confundido e renascido, o cora??o doente, semimorto, que regando com o seu calor e sangue as a?ucenas e a se?ra e o cedro e o jasmim, o p?o e a formosura, assim baniu, em venturoso instante, suas d?res mais pungentes. N?sse enlevo lhe foi bem curto o dia: foram momentos r?pidos, fugazes, quantas horas podia ter contado, e muitas decorreram, muitas o sol marcou d?sde a fria palidez da madrugada, que foi seu ber?o e canto de gl?ria, at? que ao fim morreu para curta morte na mortalha vermelha do crepusculo. Ent?o, quando cresciam as sombras percursoras do repouso da noite e seu silencio, um clamor pausado e lento me acordou do sono bemfazejo em que a terra, consoladora, me embalava. Religiosamente, o campan?rio por sua voz de bronze anunciava aos campos e ?s estrelas que o trabalho find?ra e nos cumpria volver a face e o peito e o cora??o para aquela M?e de infinda piedade, que com o Senhor est?, cheia de gra?a, bemdita entre as mulheres, como ? bemdito o fruto do seu ventre. Melancolicamente nos mandava que, crentes e fieis, a implorassemos para que a Deus e aos ceus ela rogasse que a fraqueza dos homens perdoassem e em sua luz os redimissem e erguessem. No extremo do campo, junto ao rio, onde os salgueiros bebem refrig?rios nas aguas que rebrilham s?bre as areias brancas, uma outra voz de bronze repetiu a ora??o que eu ouvira comovido. Logo ap?s a repete aquela torre do outeiro mais alto entre os irm?os que, levantando a cruz, guarda e protege a g?ndara prolongada e a choupana, onde unidos n?o tardam a acolher-se cordeiros e crian?as, seus moradores e filhos, por igual amamentados e queridos de uma mesma candura. E mais distante, ?l?m dos pinheirais, ainda uma voz igual renova a s?plica para os cavadores das margens da laguna que lhes d? ?s searas seus orvalhos, aos prados a frescura, e ? deveza o esplendor vi?oso das suas frondes. Peregrina de Deus, de lar em lar, a prece dessa voz erguia os homens para que orando terminassem o trabalho. Ent?o, por seu amor e mansid?o, voltei ao mundo e aos homens pecadores que no amor da terra eu esquec?ra, esquecendo tamb?m, por minha culpa, suas paix?es e d?res e os seus tormentos, toda a fraqueza ing?nita da sua sorte. Onde o meu cora??o tinha morrido, maldizendo ?sse mundo que temera e, fugindo, deix?ra, renasceu do enlevo para a m?goa, para prender-se ?queles que viviam e com ?les sofrer seus supl?cios, para comungar na comunh?o sagrada da sua compassiva piedade. Sonho dos astros que alimenta o sonho dos cora??es que ao sonho se renderam, a servi-lo votando todo o sangue e outra f? n?o querendo conhecer, vagueia sobre os prados o luar, cobre as ?guas do rio, e na floresta, sorrindo brandamente, confundiu-lhe em vagabunda alvura e infinita a mais ousada haste e a mais pequena, a mais endurecida e a mais tenra. A tortura dos ramos, mutilados pela rajada agreste de dezembro, e a do?ura das frondes ainda d?beis, incertas da sua forma e robustez, repassadas da p?lida verdura em que as sustenta de suave orvalho um t?pido abril, por igual as involve na sua paz. Espargiu s?bre a terra a mansid?o; renovou-a em candura, resgatando-a de seus espinhos, sombras e asperezas. E a terra, humilde, silenciosa, e muda, e religiosa, como virgem que a Deus se consagrou e de um mundo cruel se desprendeu, adormeceu feliz, santificada no seio da pureza que a protege, por gra?a do luar isenta e livre de agitados errores que a ferem e mancham, e dos tumultos v?os que a atormentavam, de quanta fealdade a entristecia e de quanta escurid?o a desvairava. Consolador, 'm?stico luar, ?sse que soube e ouviu na sua gl?ria as ternuras ocultas e queixosas, devaneios que a vida atrai?oou, anseios que o mundo nega se os escuta, saudades, desventuras e lamentos da cegueira contr?ria dos destinos; o sonho eterno da eterna luz dos c?us, que nos sonhos dos homens se engrandece e benignamente lhes responde e compassivo os ama e acrescenta:--?sse foi senhor meu e ao seu imp?rio, ao seu casto imp?rio sujeitei-me, contente, apetecendo-o. Por lhe oferecer a mis?rrima oferenda do meu peito, contei impaciente e inquieto em esperan?a e penas as horas que corriam e as que tardavam; ou s?bre o mar o visse declinar, ou atento aguardasse o seu rubro surgir de al?m dos montes, j?mais o pressenti, j?mais o vi, j?mais me aben?oou ou me deixou sem que estranho pulsar me alvoro?asse, para s? ao seu mist?rio confiar mist?rios indiz?veis da minha alma, para ali os guardar na candidez de luz que os defendesse da corrup??o da terra e seus ultrajes. Ouvem-se perto os mangoais cantando os pausados cantares do seu mest?r. Outras eiradas andam a aloirar os milhos sazonados copiosos. J? vergados os turgidos vinhedos despertaram del?rios das bacantes; e ?s macieiras c?ra-lhes os pomos o sol amortecido, emfim liberto de abrazado ardor canicular. Ainda incensam a tarde derradeiros perfumes do jasmim, mas, a dizer-nos que o estio finda, floriu c?r de rosa o eloendro. E aquela madre-silva que murch?ra sob a calma do m?s de S. Tiago, de novo desprendeu seus ramos ?geis, de novo nos mostrou a palidez do c?lice que verte os seus aromas, rediviva ao respirar prim?cias da mansid?o do outono, generoso de frutos e car?cias. E deleitosamente, ?varo e ?vido, eu colho o meu quinh?o de encantos e de p?o e de abund?ncia, como se f?sse meu, me pertencesse, vagamente sonhando, em cego orgulho, que era s? minha a terra e o seu sustento, e a caridade infinda do Senhor s? para meu benef?cio se ger?ra, e s? para me servir ela existia, s? para meu contentamento e meu deleite. Algures, por?m, passou uma voz rebelde, de d?r e de queixume e desalento. Uma sombra sinistra me turvou a alegria soberba dessa hora, seu repouso e ventura triunfantes. Meu dom?nio e riquezas, severamente os julga o desamparo, para o qual nem abril nem novembro teem mudan?a e por igual s?o negros. Mensageiros de Deus mo anunciaram no frouxo clamor dessa mendiga que vi descer, curvada, dos montados, trazendo aos hombros o escasso feixe com que, cerrada a noite, ir? avivar a amortecida cinza do seu lar. Cansada, extenuada, face a face com a vis?o das penas da sua sorte, pousou a lenha ? beira do caminho para rehaver alento que a animasse a levar a jornada at? final. E disse alto, erguendo aos c?us cru?is o seu lamento:--< N?o a escutou a serena mudez inflex?vel dessa Vontade austera, onipotente, que a consagr?ra ? cruz da desventura para a redimir em tronos de humildade. Mas ouviu-a, hesitante, sucumbida, a atribulada consci?ncia t?mida que, emquanto dura a palidez mortal da fome e da mis?ria, suspeitou em cada gozo uma trai??o, e repassa do mais amargo sal o p?o e o fruto e quanto os l?bios tocam, e entretece de espinhos todo o linho e toda a seda que nos cobre. Porque ali me tocou a sua aza, nessa tarde de outono doce e f?rtil, me prendeu a indig?ncia e a apeteci--impiamente, talvez, menosprezando o banquete opulento que o Senhor me oferecia e ao qual n?o vinham, por ?rro e crime da avareza humana, as maceradas legi?es proscritas. Na frieza alvacenta da manh?, quando, lentos, os montes, ressurgindo da confus?o da noite, de novo vinham a esculpirem na luz o seu orgulho, sonhei que as horas do nascer da aurora, essas de reden??o, eram contadas em torres de m?rmore, e, compassadamente, instante a instante, as apontavam, caminhando sempre, os ponteiros doirados de um rel?gio, fulgentes, repetindo no fulvo scintilar o ardor dos astros. De espa?o a espa?o, como anunciando um mandado solene inalter?vel, o bronze da torre modulava, em seu cavo bradar, pausadamente, aquelas mesmas horas t?o ligeiras que os ponteiros doirados lhes diziam. Assim, altivamente ufana, a vaidade do mundo pretendia reflectir a gl?ria dos c?us e ador?-la, traduzindo-a nos bens da terra que mais caros tinha. Porventura pensou, enlouquecida, igualar em seus falsos tesouros perec?veis a emana??o divina da beleza que nas alturas passa e n?o consente em ser cativa e serva da nossa arte. Por?m, quando acordei, uma do?ura estranha baniu essa ilus?o que era o meu sonho, e perseguido e v?o o dissipou. Quando a ave cantou a despertar o cavador ainda adormecido nas minguadas palhas da choupana, quando a sua ternura, reanimando-os, exaltou da obscura nudez que os oprimia os prados e as selvas, e as aguas, e os rochedos, e os orvalhos, f?ram pobreza estreme e pequenina aqu?les sonhos do?dos da grandeza fundada em ouro puro e claro m?rmore; como ca?ram as torres altas que ela edificou, de todo se calaram humilhados os ?cos magestosos do bronze que lhe apregoavam o breve imp?rio. Ef?mera quim?ra, afugentou-a o m?stico poder que na ave incarnou e a fez arauto e mission?rio sobrehumano. Cai o pal?cio, a fortaleza, o templo; desfaz-se em p? e ? nada o diamante. N?o renascem se o vento os arrastou. Mas a ave, essa de peito em peito volta e revive, a cantar perenamente a madrugada, ou na terra se ostentem monumentos, ou no ch?o se esboroem as ruinas. N?o sei que eternidade a faz eterna onde foi fraca, tenue e transit?ria a f?r?a mais robusta, quanto o homem imagina duradouro. Mist?rio da candura dominando toda a mortal jact?ncia da soberba, foi a maior grandeza a singeleza e mais p?de em nossa alma que o fausto da volupia, ainda mesmo quando impulsos sagrados transviados ofereceram ? gl?ria de Deus e ao amor da luz toda a fortuna que ? a paix?o e pasto da avareza. Erradamente, sonhei, louvei e amei o sonho passageiro que me contava as horas da exist?ncia no m?rmore e no ouro. Mas outro sonho, e ?sse foi constante, e fiel e seguro n?o mentiu, ?sse me desprendeu do p?rfido fulgor que me enlevava, ?sse me libertou para arrebatar-me ?qu?les reinos de infinda pureza em que as horas da vida s?o contadas pelo cantar ing?nuo e pela ave. E ent?o, outras j?mais contei, essas s?mente ouvi, louvei e amei humildemente. N?o tarda a madrugada. E o campan?rio, e a igreja, e a fortaleza da muralha impassivel que resguarda as eiras, as moradas e a deveza, se o ?mpeto das ?guas amea?a, quando em torrente desce das montanhas, geladas, no inverno; e o rio, e os amieiros, e os pal?cios, e a ponte, sombriamente altiva e orgulhosa:--sonham encantos ao luar cadente que em derradeiro afago ainda os protege no silencio da sua mansid?o. A rocha e a onda, que eram inimigas e porfi?dos combates combatiam pertin?zmente disputando o ch?o, confundiram-se, adorando o luar; e na mesma do?ura adormeceram, dormindo o mesmo s?no, desarmadas, ambas humildes, d?ceis e sujeitas ? magia divina desse bemdito alv?r que as alumia. E o cora??o, dorido dos anseios que o agitam, prostrado dos enlevos e das penas que lhe s?o cadafalso e o seu consolo, sustento, p?o e c?lice e o alg?z, a cicuta mortal e a perdi??o, acalmou-se, como o rochedo e a onda, em seu lutar; ? luz piedosa do luar se entrega e em seus sonhos lhe roga e lhe implora que benignamente suavise, e lhe abrande, embalsame e lhe receba esperan?as e tormentos, e os v?os da ilus?o e a loucura de eng?nos que s? querem renascer renovados e crescidos em muitos mais enganos e mais loucos. Mas vem a despert?-los a manh?. Al?m, onde as estrelas desmaiaram, o ceu pressente a aurora e o seu rub?r. E roch?dos, e igreja, e amieiros, e muros, e pal?cios, a cria??o dos deuses e a dos homens, e o pr?prio cora??o que Deus habita, acordam para sofrer uma outra luz, essa do sol cruel e inclemente na turba??o candente de um ardor que por igual ? vida e consump??o, g?ra e destr?i. Que destino adverso as amedronta para fugirem p?lidas, vencidas, as sombras carinhosas do luar em que a nossa alma e a terra redimidas cantavam confiadas e felizes, como se estranha f? as afoitasse a dizerem segredos do seu seio, como se a sombra feita de ternura as confessasse e ouvisse cautelosa e lhes rasgasse os v?us do seu mist?rio?!... Porque passaram, assim breves e inquietas, e t?o pouco duraram beatitudes da salutar brandura que descerra os mundos s? de paz e ventura, onde no extasi se dissipam m?goas, e a culpa se apagou, e n?o existem nem mentira ou trai??o ou a fraqueza?!... Para mais queridas serem e desejadas, foram curtas, aladas como fumo, essas gra?as celestes do luar que em seus tronos pozeram as quimeras, resplendentes, coroadas nas alturas?!... Embora!... N?o fugiram, por?m, t?o apressadas que eu, preso da saudade, as n?o seguisse e, seu escravo, n?o as sirva e ame, fiel, obediente, em seu infindo rasto e eterna gloria. Subi ao cerro agreste onde encontrei a morada da morte. Estava aberta a meus p?s a sepultura e cavado na rocha o ata?de. Em torno Deus espalha a formosura, alvor??o o tumulto da beleza que me engrandece a alma e alegra os olhos:--rosais e sebes repartindo a terra, os campos, os caminhos e os vilares, como se aroma e vi?o fossem donos, soberanos doadores munificentes e r?spidos juizes dos bens que a terra cria;--os lares encastelados nas encostas, fumegando, estrelas de humildade e caridade recatadas, acesas entre os colmos;--se?ras e pom?res;--as ermidas orando piedosas, a interceder por n?s l? nas alturas, rogando a Cristo e a sua M?e Santissima, e aos bemaventurados que a sonharam e para a sua presen?a renasceram que a ama-los nos ensinem e nos conduzam, e aos seus p?s nos levem e ajoelhem;--as frondes dos carvalhos;--a soberba robusta dos pinhais;--os ind?mitos p?ncaros dos montes;--as ?guas apressadas pelos vales, de rocha em rocha a abrirem a sua estrada e cobrindo de verdura os seus haveres;--e as urzes de montado que preferiram, sem invejarem sorte mais feliz, vestir de encantos a braveza do ch?o e ungir a aspereza transmudando em ?ar?as floridas a indigencia;--e, como balsamo do poder divino, tal qual fosse uma briza, emana??o que descida dos c?us nos acordasse o peito endurecido por morbidos torp?res em que a indiferen?a s?ca e corrompe a vida em sua imortal ess?ncia, em seu am?r; mais alta do que a voz da natureza, dominando-a, vencendo-a e consagrando-a, a voz do cora??o, dizendo ali murmurios de carinhos remansosos, ali nos libertando por instantes da dureza do mundo e das suas penas, para erguer-nos aos reinos que o mundo n?o alcan?a e s?mente o cora??o possue e nos concede. Mas, aberta a meus p?s a sepultura e cavado na rocha o ataude, a sedu??o de morte, sem temer quanta beleza ali me extasiava, de s?bito acendendo o seu l?gubre facho e iluminando a formosura que era meu enlevo, repete-me aos ouvidos as tenta??es da sua reden??o. E serena, na brancura dos anjos, lan?ando para longe o v?u sinistro e o manto negro em que surgira involta, mansamente me diz, consoladora: --<> Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page |
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