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Read Ebook: Pátria by Junqueiro Ab Lio Manuel Guerra
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next Page Prev PageEbook has 847 lines and 35941 words, and 17 pagesPerfeito. N?o h? balas? Resigna??o; n?o h? direito. Se entra no Tejo de surpresa um coira?ado, Quem vai met?-lo ao fundo, quem? A nau do Estado Com bispos, generais, bachareis, amanuenses, Pianos, pulgas, mangas d'alpaca e mais pertences? A esquadra? vai a esquadra rial, um meio cento De alcatruzes, bid?s e banheiras d'assento? Sacrificar a vida ? honra? Acho coragem, Mas a honra sem vida ? de pouca vantagem; N?o se goza, n?o vale a pena. A vida ? boa... Defendamos a vida... e salvemos a C'roa. E salvemos a C'roa! A vida eu da-la-ia Pela honra da P?tria e pela Monarquia! Somos filhos de her?is! mas nesta conjuntura A resist?ncia ? um crime grave, uma loucura! Um pa?s decadente, isolado na Europa, Sem recursos alguns, sem marinha e sem tropa, Tendo no flanco, ?lerta, o velho le?o de Espanha, Arrojar doidamente a luva ? Gran-Bretanha, Oh, pelo amor de Deus! digam-me l? quem h?-de Assumir uma tal responsabilidade?!!... A p?tria de Albuquerque, a p?tria de Cam?es Abolida era emfim do mapa das na??es! Guardemos nobremente uma atitude calma! Recolhamos a d?r ao ?ntimo da alma, E o castigo do insulto, o prazer da vingan?a A nossos netos o leguemos, como heran?a! Que Deus h?-de punir A moderna Cartago, a triunfante Albion! Saiba, por?m, El-rei que o brio portugu?s O defendemos n?s ante o leopardo ingl?s, ? f?r?a de crit?rio e sisuda energia, No campo do direito e da diplomacia! Com as Institu???es por norte e por escudo, Fizemos tudo quanto era poss?vel!--tudo!! Quer o duque dizer que ambiciona o colar Do Elefante Vermelho e do Pav?o Solar... N?o requeiro merc? t?o grandiosa e t?o alta, Conquanto seja ela a que ainda me falta. O Elefante e o Pav?o! Um colar e uma cruz A que s?mente os reis e os pr?ncipes tem jus! N?o ouso... Mas, se um dia a gran munific?ncia Da C'roa houver por bem, Conceder-ma!................................... Que, deixem-mo explicar: eu, medalhas e fitas, N?o ? por ser vaidoso ou por serem bonitas, Que as ostento... Plebeu nasci, de bom quilate... N?o o escondo a ningu?m: meu pai era alfaiate. Ora, num peito humilde e franco uma medalha, Como que atesta e diz ao homem que trabalha, Ao povo que moireja em seu of?cio duro, Que hoje na monarquia ? dado ao mais obscuro Guindar-se ? posi??o mais alta e mais egr?gia, Por direito,--que ? nosso! e por merc?,--que ? r?gia! Escritura de luz que em vivo amplexo abarca O Povo e a Sob'rania augusta do Monarca! CIGANUS: Meu caro duque, muito bem... Vamos agora, Resolvida a quest?o, assinar sem demora O pergaminho... O REI: Assinarei... Deixem ficar. CIGANUS: E emquanto ?s convuls?es do le?o popular, Como diria o nobre duque, afoitamente Respondo pelo bicho: um c?o ladrando ? gente: Dobrei guardas, minei as pontes ? cautela, E fica a artilharia em volta ? cidadela. N?o h? p'rigo nenhum. Durma El-rei sem temor. Boa noite, Senhor... Meu Senhor! OPIPARUS: Meu Senhor... Saem os tr?s. Ora, se o filho do alfaiate qualquer dia Inaugurava ainda a quinta dinastia!... Eu sentado no trono!... Eu rei de Portugal!!... Que, rei ou presidente, emfim ? tudo igual... Muita finura agora e muita vigil?ncia, Observando e aguardando as coisas a dist?ncia!... Magnus! lume no ?lho e n?o te prejudiques... Eu suceder, caramba! a D. Afonso Henriques!!... O temporal aumenta. Rel?mpagos e trov?es. O REI: N?o me lembra de ver uma tormenta assim!... Que dem?nio de noite!... Ando fora de mim, Desvairado... Um veneno oculto me afogueia, Que h? tr?s dias que trago uma cabe?a alheia Nestes ombros... Que inferno!... ? esquisito... ? esquisito!... Foi beberagem m?... droga horrenda... acredito! Uns v?gados de louco, um frenesim medonho... Sonharei, porventura, e ser? tudo um sonho?!... Acordado ando eu, acordado a valer, Que h? tr?s noites n?o pude ainda adormecer!... Pe?onha?... n?o!... A causa disto... a causa ? o doido O raio do fantasma, ?sse maldito doido Que me persegue!... tenho m?do... e vergonha em diz?-lo!... E depois o cronista-m?r, um pesadelo Ambulante, um maluco agoireiro e scism?tico, Com aquelas vis?es estranhas de lun?tico, Faz-me mal... faz-me mal... Que o leve o diabo... O certo ? que h? dentro de mim desarranjo encoberto... Uma ins?nia danada... um nervoso... um fastio... Misantropia tal que n?o bebo, nem rio, Nem de toiros me lembro emfim, nem de ir ? ca?a! Mau sangue... ?rvore m?... Podre... podre... ? de ra?a!... Ai, na batalha destro?ado, Ai, na batalha destro?ado, R?ta a armadura, ensang?entado, Debaixo duma ?rvore funesta Fui-me deitar, fui-me deitar... dormir a s?sta... Fui-me deitar... dormi... dormi... Endoudeci, enlouqueci Debaixo duma ?rvore funesta!... Uivam os c?es, espavoridos e furiosos. O REI: O doido! o doido! o doido!... H? tr?s noites a fio Que ?ste v?lho alienado, horroroso e sombrio, ? volta do pal?cio, ave negra d'azar, Anda a cantar!... anda a cantar!... anda a cantar!... Indo ao balc?o: Ei-lo! Morro de m?do!... H? n?o sei que de extravagante, De inquietador, na voz, nas fei??es, no semblante D?ste doido... Ser? um doido porventura?... Mal a sua voz acorda, rouca, a noite escura, Logo os c?es a ladrar, a ladrar e a gemer, Como se entrasse a morte aqui sem eu a ver!... Que raio de fantasma!... ? coisa de bruxedo... N?o ando em mim... n?o ando bom, tremo de m?do... Esquisito!... Sentando-se ao fog?o: Ora adeus! ? do tempo... ? da lua... Nervoso... Passa... Mas, se o diabo continua Com as trovas de agoiro, eu forne?o-lhe o mote, Mandando-o escorra?ar a cacete e a chicote. Vendo o pergaminho s?bre a mesa: O tratado... Uma l?ria... Enfastia-me j?... Mais preto menos preto, a mim que se me d??! Por via agora duma horrenda pretalhada Mil barafundas e alvorotos... Que massada! Que massada!... Fazem-me doido, n?o resisto... Desenrolando o pergaminho: ? assin?-lo, e pronto! acabemos com isto! Lendo alto: < Tive castelos, fortalezas pelo mundo... N?o tenho casa, n?o tenho p?o!... Tive navios... milh?es de frotas... Mar profundo, Onde ? que est?o?... onde ? que est?o?!... Tive uma espada... Ah, como um raio, ardia, ardia Na minha m?o!... Quem ma levou? quem ma trocou, quando eu dormia, Por um bord?o?!... E tive um nome... um nome grande... e clamo e clamo, Que expia??o! A perguntar, a perguntar como me chamo!... Como me chamo? Como me chamo?... Ai! n?o me lembro!... perdi o nome na escurid?o!... O doido!... Aquela voz de fantasma tit?nico Gela-me o sangue e petrifica-me de p?nico! Porque?... Ignoro... O mesmo instinto singular, Que faz ladrar os c?es, mal o ouvem cantar... Parece-me um algoz, um carrasco sangrento D'al?m campa, a marchar no escuro a passo lento, Direito a mim!... L? vem!... l? vem vindo... n?o tarda!... Quem me defende?... a minha c?rte? a minha guarda? A minha guarda!... a minha c?rte!... Ah, bons amigos, Como hei-de crer em saltimbancos e em mendigos, Sentando-se ao fog?o, junto dos c?es: Se nem mesmo nos c?es tenho confian?a j?!... Os tr?s c?es, agachando-se-lhe aos p?s, acariciam-no e lambem-no. Iago... Iago!... Ent?o... basta de festas, v?!... Safado! cachorro imundo!... Olhem o odre De gordura, j? meio leso e meio podre! Biltre! ? f?r?a de comesainas e de enchentes Emprenhou-te a barriga e ca?ram-te os dentes! As unhas foi meu pai quem tas cortou de vez... J? nem ?s c?o... ?s porco; e inda em porco ?s m? r?s! E lembrar-me eu de o ver, canzarr?o duro e bruto, O ventre magro, o olhar em sangue, o p?lo hirsuto, Capaz de trincar ferro e mastigar cascalho!... E ei-lo agora: poltr?o! ventrudo-m?r! bandalho! Iago redobra de festas. O rei d?-lhe um pontap?. O bandalho! o bandalho!... E ?ste Judas esperto, ?ste Judas, filho de l?ba e c?o incerto!... Um chacal remeloso e sarnento e pelado, Todo carcunda, esguio e v?sgo, a olhar de lado!... E acredita, o pandilha sorna, o safardana, Sempre a beijar-me os p?s, sempre a tossir de esgana, Que me ilude!... Cachorro!... Ora diz l?, meu traste: Por quanto h?s-de vender El-rei? j? calculaste?... E um Veneno, que ? t?o pequeno e que ? t?o mau! Fraldiqueiro e feroz, pulgasita e lacrau! Com ganas de trincar a humanidade inteira, Vai trincando pasteis e barrigas de freira... Erguendo-se: E s?o tr?s c?es, tr?s c?es! Iago, Judas, Veneno, Um odre imundo, um chacal torto e um rato obsceno, O meu amparo! Que vergonha!... Ao que eu cheguei!... Tr?s podengos de esquina a tutelar um rei! Mas, que dem?nio! sou injusto... a verdade, a verdade ? que guardam o pr?dio e fazem-me a vontade... Por amor ? ra??o e n?o amor ao dono? Inda bem.... inda bem... tem de salvar o trono, Se quiserem jantar... perdida a monarquia, Adeus o regabofe e adeus a conesia! Por isso est?o, como drag?es, de sentinela Junto do rei, junto da copa e da gamela. Defendem-me. E eu ainda os insulto!... coitados! Mandri?es e glut?es, gostam de bons bocados... Tamb?m eu... Porque os hei-de, afinal, descompor? ? da b?lis, da inquieta??o, do mau humor Em que eu ando... Nem sei... que dem?nio! foi praga... Raios partam o doido e essa abantesma aziaga Do cronista!... N?o h? que ver, fazem-me tonto!... Vendo o pergaminho: Mais esta geringon?a inda por cima! Indo a assinar: Pronto! Ai, a minh'alma anda perdida, anda perdida Ou pela terra, ou pelo ar ou pelo mar... Ai n?o sei dela... ai n?o sei dela... anda perdida, E eu h? mil anos correndo o mundo sem na encontrar!... Pergunto ?s ondas, dizem-me as ondas: --Pergunta ao luar...-- E a lua triste, branca e gelada, N?o me diz nada... n?o me diz nada... P?e-se a chorar! Pergunto aos l?bos, pergunto aos ninhos, E nem as feras, nem os passarinhos Me dizem onde habita, em que logar!... Sangram-me os p?s das fragas dos caminhos... N?o tenho alma, n?o tenho p?tria, n?o tenho lar!... Ai, quanta vez! ai, quanta vez! N?o passar? talvez A minh'alma por mim sem me falar! Quem reconhece o cavaleiro antigo Neste mendigo R?to e doido... quem h?-de adivinhar?!... Adivinhava ela... adivinhava!... O c?o no escuro, pela serra brava, N?o vai direito ao dono a farejar? Adivinhava... ? que est? presa... ? que est? presa! Ontem sonhei... que est? presa Naquela bruta fortaleza, Numa cova sem luz, num buraco sem ar, E que os carrascos esta noite, de surpresa, A v?o matar! a v?o matar! a v?o matar!... ......................................... Por isso o mar anda a rezar!... Por isso a lua desmaiada, Sem dizer nada... sem dizer nada... A olhar p'ra mim, branca de dor, fica a chorar!... Ribombam trov?es, fusilam rel?mpagos. Os c?es, espavoridos, ululam sinistramente. 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