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Read Ebook: Contos escolhidos de D. Antonio de Trueba by Trueba Antonio De Barbosa In Cio De Vilhena Commentator Monteiro F De Castro Translator
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next Page Prev PageEbook has 711 lines and 28824 words, and 15 pagesOs meus companheiros de casa, mo?os distinctissimos, os quaes ainda hoje amo como irm?os, envidavam todos os seus recursos para me fazer sa?r d'aquelle estado de depress?o de espirito, que me senhoreava; mas nada podiam conseguir. Por espa?o de muitos dias, quando chegava o correio, erguia-me de subito, machinalmente, para correr ao seu encontro; mas logo, lembrando-me que j? n?o existia aquella santa, que diariamente me confortava e fortalecia o espirito, com o balsamo salutar do seu carinhoso affecto, ca?a novamente na minha tristeza habitual. T?o dolorosa e renitente enfermidade moral, n?o podia deixar de transmittir-se ao corpo. Adoeci. Os progressos da doen?a foram rapidos e assustadores! Eu delirava, e no meu delirio, evocava o nome de minha m?e. A sciencia deu ? molestia um nome; mas o meu cora??o dava-lhe outro. Todos os meus companheiros, ? porfia, se esfor?avam por me provar a sua amisade. D'elles por?m havia um, a quem todos respeitavamos, que logo se collocou ? cabeceira do meu leito, servindo-me regularmente de enfermeiro. N?o referirei aqui o seu nome por lhe n?o ferir a modestia, que a tem, em t?o subido gr?o como tu, e a qual eu n?o ouso devassar. Recordo-me d'elle com muita saudade e muito reconhecimento. E nunca mais nos encontramos! Uma noite acordei e vi um vulto ajoelhado junto do meu leito; sobresaltou-me, porque me parecia um padre! Era elle, vestido de batina, e que resava no seu livro de ora??es! Ergueu-se rapidamente e disfar?ou para me n?o assustar. Eu dissimulei; fingi que o n?o vira, e nunca lhe fallei d'esta scena edificante, que ha de sempre permanecer gravada no meu cora??o. Este livro deve chegar um dia ?s m?os d'esse nobre mancebo, de quem o destino me separou; que elle se recorde de mim com saudade, ao l?r estas palavras, e veja n'ellas a express?o do muito reconhecimento, que tambem lhe consagro. A molestia aggravara-se, e ao terceiro dia, apresentava-se temerosa! Eu sentia-me isolado, ? mingua do conforto da familia; mas prohibira expressamente, que avisassem meu extremoso pae da gravidade da minha situa??o. Este, ignorando a verdade, e presa de muitos trabalhos domesticos, n?o foi ter commigo a Coimbra; mas escreveu-te para Lisboa, avisando-te de que eu me achava enfermo. No dia em que recebeste a sua carta, dirigiste-te a um dos meus companheiros de casa, e este fallou-te com franqueza. Isto soube-o eu mais tarde. Vinte e quatro horas depois de teres lido a resposta, a que alludo, dispertava eu d'um somno angustioso, e vi-te ao meu lado. Quiz erguer-me e lan?ar-me nos teus bra?os, mas n?o pude. Fizeste por me serenar o espirito, sobreexcitado pela tua presen?a alli, e come?aste a dispensar-me os thesouros do teu acrisolado affecto. A molestia teve-me baloi?ado entre a vida e a morte; e por fim, gra?as ? bondade do Altissimo, que me julgou talvez novo para deixar o mundo, e que me proporcionou os desvelos do teu carinho, come?ou a declinar. Foi longa a convalescen?a. Quando, no decurso d'ella, eu me conservava ainda de cama, tu, sentado ? minha cabeceira, lias alto para me distrahir, ou divagavas sobre aquelles assumptos, que sabias me eram mais gratos. Ministravas-me cuidadosamente os remedios e as comidas, temperadas pela tua propria m?o, e informavas diariamente a minha familia das progressivas melhoras, que eu experimentava. Afinal, ergui-me da cama, e, poucos dias depois, comecei a dar alguns passeios, pelo teu bra?o. Ficava a minha casa proxima ao Jardim botanico, e era para ahi que sempre nos dirigiamos. Depois de darmos algumas voltas por aquellas frondosas avenidas, sentavamo-nos n'um banco do jardim, e um ao outro communicavamos as impress?es, que recebiamos d'aquelle panorama encantador das < Depois, quando o sol, declinando, nos aconselhava a regressar a casa, levantavamo-nos e deixavamos vagarosamente aquella mans?o deliciosa. Os extremos da tua amisade tinham-me furtado talvez a uma prematura morte, mas n?o lograram desanuviar-me o cora??o da magoa, que o suffocava. Deixava-me por vezes dominar de profunda tristeza, e assim me conservava por largas horas, alheiado completamente do mundo exterior, e s? entregue a amargas cogita??es. Um dia entraste no meu quarto, e disseste-me que era preciso sa?r de Coimbra; que tinhas conversado largamente com o medico, e que este f?ra de parecer de que a distrac??o era o unico remedio que podia completar o meu restabelecimento. Sobresaltou-me a lembran?a de que teria de me separar logo de ti. Era uma injusti?a que fazia ? devo??o do teu affecto; mas confesso-te que n?o suppunha que tu levasses a tua generosa dedica??o por mim, at? entrares commigo na casa paterna. Sabia que a ausencia de Lisboa era em extremo prejudicial aos teus interesses, e por isso imaginava que tu darias por terminada a tua caridosa miss?o, com a minha partida para o Porto. Quanto me enganava! Eu estava ainda muito falto de for?as e mal podia entender nos aprestos da viagem; tu por?m a tudo proveste com paternal cuidado. Afinal, por uma aprazivel manh?, sa?mos de Coimbra. Alugaramos uma carruagem, a melhor que se p?de encontrar, e por essa bella estrada, que o mau fado da nossa administra??o publica, devia, poucos annos depois, tornar quasi deserta, admirando o formosissimo paiz que ella atravessa, formosissimo pela luxuriante vegeta??o que o cobre, e pela extens?o dos seus variadissimos panoramas, seguimos agradavelmente at? ? primeira paragem, onde deviamos pernoitar. Se bem me recordo era a estalagem d'Albergaria, esse covil immundo, da qual ainda hoje me n?o lembro, que n?o sinta logo pelo corpo, um certo pru?do, que me excita horrorosamente os nervos. No dia immediato continuamos a nossa jornada, mas n?o com tanta felicidade como na vespera. Levant?ra-se muito vento, e parece-me que te estou vendo, meu bom Ignacio, receioso de que o frio prejudicasse o regular andamento da minha convalescen?a, repartindo-me em mil cuidados, para me p?r a salvo d'uma reca?da! E agora me lembra um episodio d'essa saudosa jornada, que tem rela??o com o que levo dito, e que ? mais um attestado do conforto e da commodidade das taes locandas da antiga estrada coimbr?. Quando chegamos a S. Jo?o da Madeira, sa?mos da carruagem, e entramos na hospedaria, para jantar. Pouco tempo por?m estivemos n'essa posi??o caricata; afinal entendemos que o mais acertado era jantarmos dentro da carruagem, e assim o fizemos. Ainda hoje me rio, quando me acode ? ideia essa scena de comedia, que acabo de descrever. D'ahi por algumas horas chegavamos aos Carvalhos, onde nos esperavam, meu pae e minha irm?, e todos juntos seguimos para o Porto. Com a viagem, que descrevi com leves tra?os, termina esse episodio da nossa vida, em que se patenteia bem a eleva??o do teu caracter, e a dedica??o que te devo; mil annos que eu vivesse, nunca esta pagina da minha mocidade, se me apagaria da memoria. Sei, e j? o disse no principio d'esta carta, que vou offender a tua modestia, tornando publico esse exemplo que d?ste da nobreza dos teus sentimentos. Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page |
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