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Read Ebook: O Engeitado by Braga Alberto Leal Barradas Monteiro
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next Page Prev PageEbook has 226 lines and 8834 words, and 5 pagesA familia da Tojeira esteve um mez a banhos na Povoa de Varzim. Habitava uma casa pequena na rua da Junqueira. A sr.? D. Leonarda levantava-se de madrugada, e ia para a praia, seguida da criada e do Sim?o. Nos primeiros dias, o pequeno sentiu um horror extraordinario pelo mar. Entrava na barraca a tremer e a chorar, pedindo a Deus que o matasse! A sr.? D. Leonarda, a s?s com elle, falava-lhe com aspereza e de sobrecenho carregado. O rapazito reprimia as primeiras lagrimas, e ouvia-a com submiss?o e humildade. --Pois o sr. D. Bernardo e eu--gritava a freira--a termos toda a caridade por ti, e tu, ingrato, ainda choras! E, como Sim?o, com a cabecinha baixa como um r?o convicto, principiasse a solu?ar, e as lagrimas lhe cahissem em fio, D. Leonarda indignada, levantava a voz e gesticulava convulsa: --Tu porque choras, rapaz? Ingrato!--e, olhando sobre o hombro, observava com ironica piedade:--Sempre has de mostrar que ?s filho do peccado! Diante de extranhos, no grupo das senhoras que lhe falavam, a freira de S. Salvador mudava de tom. Tinha uma voz meliflua, vagarosa, e, dando aos olhos uma fei??o terna, dizia do rapaz: --? um engeitadinho, que o mano protege. Elle ? que o n?o merece!--accrescentava D. Leonarda, azedando a voz.--? muito ingrato! Ah! nem v. ex.^as fazem id?a! Depois, quasi confidencialmente, explicava: --Sempre estes desgra?ados h?o de mostrar que vieram a este mundo contra a vontade de Nosso Senhor! Sim?o ouvia isto sem levantar os olhos. De volta para casa, a freira n?o cessava de o reprehender. Um dia, na ausencia de D. Bernardo, D. Leonarda, durante o almo?o, esteve constantemente a gritar ao pequeno. Sim?o, sentado defronte, ouvia-a silencioso, sorvendo o caf? a pequeninos golos. D. Leonarda, no auge da sua irrita??o, gritou-lhe: --Levanta a cabe?a, rapaz! Deixa o caf?. O rapazinho poisou logo a chicara e o p?o, engoliu com esfor?o o bocado que mastigava, e deixou pender os bra?os. N?o p?de comer mais. Os unicos momentos felizes durante o mez que esteve na Povoa eram os que passava na varanda da casa, depois do jantar, em quanto D. Bernardo e D. Leonarda dormiam a sesta. Na cosinha, a criada, sentada n'uma cadeira junto da janella que deitava para uma horta, cabeceava. Sim?o atravessava ent?o o corredor em bicos de p?s, e ia debru?ar-se no peitoril da varanda, distraido a ver na rua a concorrencia de banhistas. A vista da gente da aldeia alegrava-o. Todas as raparigas da altura da Magdalena, vistas de longe, lhe pareciam a irm?.--Se fosse!--pensava elle. Estava uma tarde muito entretido a olhar um saltimbanco que trabalhava no largo da fonte, quando ouviu que o chamavam da rua. Era a Joaquina do Espinhal. O pequeno, assim que a reconheceu, sentiu o cora??o pular-lhe de jubilo. A Joaquina perguntou-lhe como estava, e deu-lhe muitas saudades da Lena. --Tu ainda te lembras d'ella?--perguntava a visinha. Elle respondia affirmativamente e ficava muito vermelho, quasi a chorar. Pediu ? Joaquina que esperasse um instante. Foi ao quarto em que dormia, tirou d'uma gaveta a medalha do Bom Jesus, que lhe dera D. Leonarda, e desceu com ella ? rua para a enviar ? irm?. Logo que sahiu a porta, D. Leonarda assomou ? varanda. Observou de cima o pequeno entregar ? vizinha a medalha que lhe tinha dado. Teve um accesso de indigna??o, e esteve para gritar, mas conteve-a a id?a do escandalo. Quando a mulher se separou, a freira berrou para baixo ao Sim?o, que tinha ficado parado ? porta da rua: --? rapaz! Sobe! E mostrou-lhe tamanha indigna??o nos olhos arregalados, que o pequeno subiu as escadas a tremer, e a supplicar baixinho de m?os postas: --Ai! minha Nossa Senhora! Valei-me, que ella mata-me! Apenas chegou ao patamar, D. Leonarda inquiriu com voz amea?adora: --Quem te deu licen?a de entregares ?quella mulher a medalha que te dei? E, como o pequeno n?o respondesse, applicou-lhe uma bofetada com tamanha violencia, que o fez cambalear e cahir para traz, batendo com a cabe?a na esquina do degr?o. --Peda?o de maroto!--rosnava a freira convulsa.--Levan-ta-te! E fitava os olhos coruscantes sobre o Sim?o, sem reparar que elle fic?ra ali, sem sentidos, estendido sobre o patamar, com um fio de sangue a escorrer-lhe da nuca! O engeitado esteve oito dias de cama, com assistencia de facultativo. Havia receio de que ao abalo da queda sobreviesse uma meningite. Se se declarasse, dizia o medico, o caso era grave e podia ser fatal! Ao cahir da tarde, accommettia-o uma febre intensa, que o fazia delirar. N'essas crises, deitado de costas; com as faces affogueadas e os olhos muito brilhantes e fixos n'um ponto vago, o doente falava e gesticulava, proferindo repetidas vezes o nome da m?e e da Lena. D. Bernardo, sentado ao lado, perguntava-lhe com voz carinhosa: --Tu que dizes? Sim?o, como se despertasse no meio d'um pezadello, voltava os olhos para D. Bernardo, e estremecia. --Tu que queres, Sim?o?--insistia o fidalgo, apalpando-lhe a fronte esbrazeada. O pequeno recuava para o fundo da cama, assustado, com os olhos espantados e a tremer. --N?o quero a senhora--balbuciava elle tranzido e a chorar.--Ella mata-me! Ai! eu quero a minha m?e! ? meu padrinho, a senhora mata-me. E segurava com for?a a m?o de D. Bernardo, olhando para a porta com terror da presen?a da freira. D. Bernardo, no dia em que o pequeno foi castigado, censur?ra a brutalidade da irm?. --N?o s?o modos de tratar as crian?as, mana--tinha elle dito. D. Leonarda replicou com azedume; e, quando D. Bernardo lhe pediu que se calasse, a freira retirou-se da sala com modo altivo, resmungando pelo corredor: --Eu j? o presumia! Bem me quiz parecer que para afilhado, era muito amor! Denunci?ra-se a freira! A suspeita de que o engeitado fosse filho do irm?o tinha-a sobresaltado. Nutrira sempre a esperan?a de ficar herdeira universal da casa da Tojeira. ? primeira noticia da existencia do afilhado, todos os seus calculos ambiciosos se abalaram. Teve o receio instinctivo do mendigo, que v? concorrente ? mesma porta! Recebeu o pequeno com fingida ternura e piedade, mal podendo conter, mais tarde, o rancor que a sua presen?a lhe inspirava. Quando reparou que elle estava desmaiado aos seus p?s, a escorrer sangue, assaltou-a um sentimento de terror, julgando que o tinha morto. Chamou em altos brados pela criada, que appareceu no mesmo instante. O rapaz foi transportado em bra?os para o leito. Ao chegar D. Bernardo a casa, a criada referiu o que tinha succedido, desculpando a senhora da melhor maneira que p?de. --Onde est? a sr.? D. Leonarda?--perguntou o morgado com ar grave e carrancudo. --Est? no quarto--respondeu a velha.--A senhora tambem ficou doente. Isto abalou-a muito. Ao quarto dia a febre remittiu. Os receios do facultativo desvaneceram-se. No fim de uma semana, o doente sahiu da cama para uma cadeira da sala. Caminhava amparado ao bra?o do padrinho, muito desfallecido de for?as, pallido e tremulo. A freira via ent?o o pequeno duas vezes por dia. Falava-lhe sem rancor, mas visivelmente constrangida. Durante a enfermidade, a tal ponto D. Bernardo se affei?oou ao afilhado, que passava os dias sentado junto d'elle, conversando e lendo-lhe d'alto as noticias dos jornaes. --Quando voltarmos para a terra--dizia-lhe elle--has de tambem aprender a ler. Queres? --Quero, meu padrinho--respondia o Sim?o. Um instante depois, perguntava: --E a Lena? --A Lena tambem ha de aprender como tu. Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page |
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