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Read Ebook: Voltareis ó Christo? by Castelo Branco Camilo
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next PageEbook has 144 lines and 7974 words, and 3 pagesVOLTAREIS ? CHRISTO? Porto Imprensa Portugueza Bom Jardim, 181 VOLTAREIS, ? CHRISTO? narrativa por CAMILLO CASTELLO BRANCO Porto Viuva Mor?--Editora Pra?a de D. Pedro 1871 Um dos meus companheiros de jornada para Villa do Conde era sacerdote idoso, de mui agradavel semblante e maviosa tristeza no olhar, contemplativo. Os outros passageiros, gente alegre e agitada pelo trabalho intimo d'uma digest?o rija, conversavam bestialmente a respeito do meu amado e honrado amigo Jos? Cardoso Vieira de Castro. Sem intervir nas suas disputa??es, escutava-os o padre attento e melancolico. E, compadecido at? ?s lagrimas do formidavel infortunio que entretinha, entre chascos e insultos, aquella villanagem, eu encarava no taciturno clerigo, e dizia entre mim: < Apeamos em Moreira. Segui por debaixo das ramarias seculares que aformosentam a magestosa avenida da quinta dos Vieiras de Castro, na qual o meu amigo residira dous annos com sua esposa. Eu ia olhando para as arvores que elle amava, e cuidando que via despegar-se-lhes a folhagem que inverdec?ra quando no seio d'aquelle incomparavel martyr de seu pundonor cahiram os g?los d'um inverno sem fim. Observei que o padre me seguia a passo lento, e com o lance vago de olhos, aquelle v?r atravez de lagrimas, o scismar triste que os infelizes adivinham. Esperei-o. Elle abeirou-se de mim e cortejou-me, tratando-me pelo meu nome. Perguntou-me se n'aquella casa mor?ra algum tempo o sobrinho do seu condiscipulo e amigo, o ministro de estado Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro. Respondi: < E, volvidos alguns segundos, prosegui animado pelo aspeito contemplativo do sacerdote: < N'este intervalo, o anci?o encarou-me com tristeza e disse: < Fui. E o padre fallou assim: Congela-se-me o cora??o de terror quando este relance pavoroso da minha vida me lembra. J? l? v?o quinze annos. Ainda agora ha noites em que a vis?o me sobresalta, e sempre o meu espirito se estremece com o mesmo confrangimento. Ha quinze annos que eu pastoreava uma vigararia em Traz-os-montes. Em um dia de dezembro de 1855 sahi da minha residencia com destino a ir consoar nos dias festivos do Natal com um abbade, meu companheiro da Universidade, o qual residia oito leguas distante. Como os caminhos eram pessimos e mal sabidos do meu creado, perdemo-nos na cerra??o do nevoeiro, e chegamos tarde a um c?rrego, cujo pontilh?o a enchente havia alagado. O unico v?o possivel estava legua e meia afastado. Era ao fim do dia: seriam quatro horas e meia; mas a noite fech?ra-se subita, quando as nuvens se conglobaram ao poente, e uma neblina pardacenta rolou dos fragoedos das empinadas serras. Retrocedemos assustados. O meu creado tinha visto de passagem, por entre as brumas, alvejar uma casa grande com aspecto senhorial de torres e ameias. Distava-nos d'alli obra de meia legua. Ganhamos a custo a lomba da serra, onde chegamos com noite fechada. D'aqui enxergamos luzes trementes ao travez de vidra?as, e ouvimos o latir de c?es. Apeei, e desci amparado no bra?o do creado, cujo cora??o palpitava de medo, n?o j? de ladr?es nem de feras; sen?o de fantasmas e lobis-homens, que, no cr?r e dizer d'elle, eram vulgares por aquelles despenhos e selvas de castanheiros. Consoante a minha philosophia me foi acudindo inspirativa, combati as cren?as do meu pobre Manoel, cujo excellente espirito foi cedendo passo a passo ? ras?o omnipotente, por modo que a final incommodava-o mais a perspectiva do frio e fome que o pavor dos fantasmas e lobis-homens. Eu, n'este receio, n?o lhe levava vantagem em fortaleza de espirito. Figurava-se-me calamidade superior ?s minhas for?as o ter de pernoitar sobre um ch?o alagado, e sob o pavilh?o de c?o t?o inclemente. N'esta conjectura, ouvimos o ladrar dos c?es ? nossa esquerda. ? primeira vereda que topamos, na direc??o do consolativo signal de povoado, nos encaminhamos por barrocas lamacentas at? entestarmos com um largo port?o de quinta. Manoel aldravou com quanta for?a lhe d?ra o contentamento, e esperamos, n?o sem receio de que os molossos da quinta remettessem contra n?s de sobre os estrepes que vedavam o alto muro. Do parapeito do mirante surgiu um vulto a perguntar-nos o que queriamos. Respondi que era um padre, perdido no caminho de Mirandella, e pedia ao dono d'aquella casa a caridade de me agazalhar e ao meu creado por aquella noute. Passado largo espa?o, voltou o interrogador, que nos abriu o port?o depois de haver acorrentado os c?es, e nos metteu ? cara uma alanterna de furta-fogo, deixando v?r debaixo de cada bra?o uma pistola de alcance. Aquietado pela confian?a que lhe incutiu a minha cara pacifica, e a t?o pacifica quanto estupida do meu Manoel, o creado caminhou serenamente diante de n?s. Perguntei-lhe como se chamava o dono da casa. Disse-me o nome do fidalgo, e acrescentou que a fidalga estava a morrer ethica. --N'esse caso--tornei eu--queira dizer ao snr. bar?o que eu n?o quero causar-lhe o menor constrangimento na situa??o triste em que est?. Basta que S. Ex.? nos mande recolher, que n?s sahiremos cedo sem perturbar o seu soc?go. Entrei para um sal?o cujas alfaias eram quatro escabellos de p?o com grandes armas pintadas no alteroso espaldar. D'ahi a pouco, fui levado a outra sala mobilada ? antiga com cadeiras de coiro marchetadas de pregaria amarella, ? mistura com uns trem?s dourados e artezoados do reinado de D. Jo?o V, segundo me quiz parecer. Das paredes pendiam nove retratos de homens, em que predominavam clerigos mitrados, e dos dois que vestiam farda agaloada com habito de Christo um dizia o letreiro que tinha sido capit?o-m?r. N'esta contempla??o me interrompeu o fidalgo. Era homem de alta e direita estatura: figurava quarenta annos; tinha barbas grisalhas e grandes; ampla testa, e olhos rasgados e negros, impressivos, penetrantes, assustadores. De mim confesso que o fitava a medo, n?o sei porqu?. Interrogou-me gravemente sobre o ponto d'onde vinha e para onde ia. Respondi como cumpria dilatando difusamente as respostas e circumstanciando-as para d'este modo captar a benevolencia do fidalgo que parecia escutar-me distrahido. D'ahi a pouco disse dentro uma voz que estava a ceia na m?za. O senhor ergueu-se, levantou um reposteiro, e obrigou-me a preced?l-o na entrada com gentil ademan de cortez?o. A meza era espa?osa de mais para quarenta talheres; mas tinha s? dois. Sentei-me na cadeira que me foi indicada, e comi com a sem-cerimonia muito conhecida dos descortezes e dos famintos. Durante a ceia substancial, occorreu-me perguntar-lhe pelo estado de sua esposa; todavia, conteve-me a inopportunidade da occasi?o, e o receio de me demasiar em inquirir de senhora que eu n?o conhecia, n?o me sendo semelhante pergunta auctorisada pelo silencio do bar?o. Finda a ceia, segui-o ao longo de um corredor, e entrei no quarto que me elle indicou, dizendo: --N?o se deite j? que eu preciso talvez do snr. para um acto proprio da sua profiss?o. E desandou. Add to tbrJar First Page Next Page |
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