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Read Ebook: O Olho de Vidro by Castelo Branco Camilo
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next PageEbook has 955 lines and 48910 words, and 20 pagesOBRAS CAMILLO CASTELLO BRANCO EDI??O POPULAR O OLHO DE VIDRO TYPOGRAPHIA DA PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA --RUA AUGUSTA, 44, 46 E 48-- LISBOA OBRAS DE CAMILLO CASTELLO BRANCO Edi??o popular das suas principaes obras em 80 volumes in-8.?, de 200 a 300 paginas Impressa em bom papel, typo elzevir O OLHO DE VIDRO ROMANCE HISTORICO PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA LIVRARIA EDITORA LISBOA O OLHO DE VIDRO Nota das edi??es que tem tido este romance at? ? presente PROLOGO Os termos em que o convite ? feito animam e ao mesmo tempo assustam. Comecei temerariamente a composi??o d'este romance: m?o foi principial-o, que eu sou t?o pouco cioso de aprimorar escriptos d'esta ordem, que n?o me f?rro ao perigo de concluil-os e imprimil-os, ainda quando me desagradam. Porto, 3 de mar?o de 1866. INTRODUC??O --Quem ?--perguntou o estudante, apertando as azas nasaes, com ingrato despreso das boninas da sua rua.--Quem ? o vadio? --Sou eu!--respondeu quem quer que era, abrindo pequeno respiraculo por sobre o ferragoulo, que lhe envolvia todo rosto. --Tu!...--exclamou Abreu com alvoro?o.--Vou abrir! Pois ?s tu?! Algum motivo mysterioso tinha o academico para descer ?s escuras a precipitosa escada, contando as escaleiras e raspando com o p? cauteloso sobre cada degrau. Aberta a porta recebeu nos bra?os com ardente vehemencia o interruptor de seus estudos, e t?o alheado ficou das suas considera??es therapeuticas sobre a pelle de cobra, que nem j? os olhos de caranguejo lhe lembravam. --Tu aqui, Antonio de S?!--tornou Francisco.--Eu fazia-te na India!... Sobe, meu desventurado rapaz, que n?o ha ainda duas horas que os teus condiscipulos te lamentaram, especialmente Jos? de Barredo se arrepellava por ter sido teu confidente n'esses funestissimos amores que te perderam... --Com raz?o!...--murmurou o outro--com raz?o me lamentaste, que eu sou desgra?ado, quanto p?de sel-o n'este mundo um rapaz de vinte annos. --E que magro est?s!... atalhou Francisco Luiz, achegando-lhe do rosto a candeia de lata, que despregou do velador.--Como est?s acabado!... --Se te parece!... um anno quasi sem ar, nem sol; passado de terrores... Como n?o queres que eu esteja pallido e descarnado?! S?o assim todos os rostos que se lavam com lagrimas... --Pobre Antonio!...--atalhou o outro muito consternado--Se, ao menos, tivesses fugido de Portugal, como n?s suppunhamos, terias c?o e ar... Senta-te, homem!... Queres tu comer? --Quero. --Ainda bem! A desgra?a n?o te quebrantou o antigo estomago... Aqui tens queijos, figos e bolos de Santa Clara... Olha que ainda duram os amores da freira... Aqui tens o cora??o da freira n'estas trouxas d'ovos. Carne n?o na ha, e n?o sei onde v? procural-a a esta hora... Queres tu uma s?rda? Essa fa?o-t'a eu: est?o alli os alhos; e, ? mingoa de azeite, cosinha-se com o da candeia, e depois conversaremos ?s escuras. --Isto basta para quem anda faminto de bons bocados--disse Antonio, com desusado atticismo, devorando o queijo e os figos, e as trouxas allegoricas do cora??o da franciscana, n?o j? como desgra?adissimo entre os homens, mas certamente como de entre os estudantes o mais faminto. O hospedeiro academico enfreou sua curiosidade emquanto o amigo n?o p?de dispor da lingua, empenhada na soffrega lida da degluti??o. No entretanto, andava elle rebuscando na gaveta alguma vitualha, como se em gaveta de estudante alguma vez se operasse o milagre de que alguns raros anachoretas se gosaram na Palestina, quando os anjos do c?o lhes cosinhavam os fricass?s. --Que andas tu procurando?--perguntou Antonio de S? Mour?o. --Um boi que te mate essa fome! Hei medo que me devores, rapaz. --Nem manjar branco me d?s que j? me c? n?o cabe. Estou alimentado para tres dias, se f?r necessario. Queres agora a minha historia de treze mezes? Deita-te ahi na tua cama; escuta e adormece quando quizeres. Que sabes tu da minha vida? --Sei o que todos sabem: que fugiste de Bragan?a com uma mo?a, filha unica de pae rico e feroz, que te fez procurar aqui em Coimbra, e me quiz metter no aljube para lhe dar conta de ti, allegando que eu devia for?osamente ser teu confidente, por que sou christ?o novo como tu. --N?o sabia--interrompeu Antonio--que os meus infortunios implicaram comtigo... --Mais do que eu te sei dizer... Os trabalhos, que me amea?avam, affligiam-me muitissimo menos que a id?a da inexoravel persegui??o que te fariam por toda a parte. Esperava eu, a cada hora, a noticia da tua pris?o, com todas as probabilidades de que morrerias na forca, se n?o morresses na fogueira. Ninguem dava novas tuas, que n?o fossem horrorosas. Uns diziam que tinhas sido morto a tiro; diziam outros que te havias suicidado. Ao cabo de seis mezes, espalhou-se a boa nova de que tinhas embarcado para a India, favorecido por teus parentes ricos de Lisboa, e tambem corria que a mo?a te acompanh?ra vestida de rapaz. Ora, como nunca mais se fallou de ti, acredit?mos que estavas salvo... Como te vejo aqui, Antonio?! Que ? isto?! Onde tens estado? Como pudeste fugir ? justi?a, se n?o foi n'algum subterraneo? --Eu te conto, respondeu Antonio. Aquella temporada de ferias que fui passar com meus tios em Bragan?a foi a morte da mocidade, das esperan?as, e de tudo em que eu fundament?ra a felicidade das minhas modestas ambi??es. O prazer exclusivo da minha vida tinha sido o estudo, a gloria da sciencia, desvanecimento louco de poder ainda, mediante a sciencia, avisinhar-me do throno, como os antigos da na??o e desopprimir nossos irm?os, quanto coubesse na al?ada do juizo, e no prestigio que a posi??o de medico do rei me d?sse. Era um sonho talvez desatinado; mas o despertar-me d'elle foi atroz!... Amei aquella mulher; referi-te o nascer d'aquelle funesto amor. Sabes que os teus conselhos e vaticinios, ainda mal que realisados, n?o poderam reduzir-me ao dever, ? honra, e propriamente ao discreto egoismo, que tantas vezes nos arreda de abysmos cavados pela excessiva sensibilidade. O peior, meu amigo, j? n?o era vencer-me eu; era vencer a compaix?o que me fazia a pobre menina, cujas alegrias dos dezoito annos eu f?ra converter em amargura de toda a vida. --Combati essa opini?o--interrompeu Francisco Luiz--por cuidar que era grande parte n'ella a tua vaidade, a vaidade do homem que se julga necessario ? vida da mulher... --? verdade; combateste a insensata opini?o; mas... n?o sei se cedo se tarde o fizeste; o certo ? que as tuas raz?es me pareceram sophisticas e glaciaes. Vi em ti o philosopho que sempre foste; e em mim vi o homem duplicado em sua existencia pelo amor, os dois homens que se combatem e forcejam por despeda?ar-se, at? que um triumpha, e... fica senhor das ru?nas do cora??o... J? agora n?o discutamos como medicos em volta de um cadaver. Saibamos que est? morto o homem, e ouve tu singelamente a historia das delirantes febres que o acabaram. De antem?o sabia eu j? que a filha de Fern?o Cabral me seria negada e que os lacaios do christianissimo fidalgo, por ordem de seu senhor, me amea?ariam com os seus tagantes. Isto n?o embargou que eu timidamente me fosse apresentar ao nobre morgado de Carrazedo, e lhe pedisse a filha. Fern?o ouviu-me em p?, e respondeu-me n'estes termos: < N?o sei se odio, se lagrimas, se tudo a um tempo, me enchia o cora??o! J? ent?o n?o tive animo para te escrever! Ha desgra?as tamanhas que um homem parece envergonhar-se de contal-as aos seus amigos mais do intimo d'alma. Fechei-me com o segredo da minha ignominia. Deixei Bragan?a e fui para a Guarda, resolvido a entregar-me inertemente ao devorar silencioso da minha saudade. Fugi dos carinhos da familia, e ferrolhei-me n'uma casa agreste e erma na quebrada da Serra da Estrella. A desespera??o alli foi-me consoladora, por que a morte era inevitavel n'aquelle desamparo. Nem ainda ent?o pude escrever-te, meu amigo! Assim que tentava fazel-o, n?o sei exprimir que desalento me esva?a a cabe?a. < Uma noite, faz agora onze mezes, estava eu passeiando nos quasi pardieiros da minha vivenda, quando ouvi tropel de cavalgaduras no barrocal que descia da serra ao alpestre casalejo de meus av?s, os quaes alli se tinham homisiado no tempo das grandes persegui??es do rei D. Manuel. Accudi ? janella e ouvi uma voz de homem dizer: < aqui.>> N?o sei que outras palavras se disseram: eram a voz d'ella: era Maria. Quando dei tento de mim, e cobrei conhecimento da minha situa??o, tinha, nos bra?os a filha de Fern?o Cabral, e ? beira d'ella vi uma criada sua, que nos f?ra medianeira, e um criado da casa de meu pae. Add to tbrJar First Page Next Page |
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