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Read Ebook: Historias de Reis e Principes by Pimentel Alberto
Font size: Background color: Text color: Add to tbrJar First Page Next Page Prev PageEbook has 1239 lines and 68706 words, and 25 pagesAo dr. Jo?o Teixeira, chanceller-m?r, pareceu melhor n?o renovar a lembran?a de factos que o tempo ia esquecendo. Que, mais aquietadas as paix?es politicas, bem podiam os filhos dos conspiradores ser leaes servidores d'el-rei. Por isso entendia que se deixassem sahir com seus filhos e haveres as que quizessem ir reunir-se aos maridos; mas que n?o fossem obrigadas a fazel-o todas, indistinctamente. Os restantes membros do conselho concordaram com este alvitre. O rei tambem concordou. Ent?o Ruy de Sousa disse saber que a mulher de Fern?o da Silveira folgaria de ir para o marido. Ora um documento da ?poca, que suppomos inedito, diz qual foi a resposta de D. Brites de Sousa: < Uma tal resposta surprehendeu decerto o leitor, por n?o ser conforme com a declara??o que no conselho d'el-rei fizera Ruy de Sousa. Tem comtudo uma explica??o, e o leitor vai sabel-a. D. Brites de Sousa tinha realmente manifestado desejo de ir viver com seu marido em Castella. Pesava-lhe a vida que levava longe d'elle, com um filho pequeno nos bra?os. Chamava-se Jo?o o filho legitimo de Fern?o da Silveira. O conspirador tinha outro filho, illegitimo, que houvera de uma manceba de nome Izabel Rodrigues, e que havia nascido em 1480. D. Brites cheg?ra a fallar aos do conselho d'el-rei para que lhe obtivessem a concess?o de passar a Castella. Mas obtida a concess?o, soubera que Fern?o da Silveira tinha mandado ir a manceba e o filho. O seu cora??o amantissimo n?o foi superior a este golpe. Resolveu n?o ir para castigar a infidelidade do marido, que no homisio preferira as consola??es da familia illegal ?s da familia legitima. Eis-aqui a ras?o que determinou a recusa de D. Brites. O certo era que Fern?o da Silveira vivia em Castella sem disfarces de mancebia. A sua existencia, cortada de continuos sobresaltos e receios, que o faziam esperar a toda a hora o punhal assalariado por D. Jo?o II, achava lenitivo nas express?es affectuosas da manceba, que na desgra?a se torn?ra mais dedicada. Perante a rigidez indomavel do rei de Portugal, antolhava-se-lhe desolador o futuro. Se lograsse escapar aos sicarios armados pela colera de D. Jo?o II, o que era muito pouco provavel, teria que viver e morrer longe da patria com o lab?o de conspirador, sempre vexado pela necessidade de receber agasalho e protec??o. As sombras da noite punham-lhe no espirito o constante receio de emboscadas; atravessava as ruas com o sobresalto com que p?de atravessar-se um sert?o povoado de f?ras. N?o se permittia a fraqueza do medo, n?o evitava as horas sinistras da noite, por mais que Izabel Rodrigues lh'o pedisse; mas tinha sempre presente o espectro da morte por trai??o. Quando recolhia a casa, esquecia nos bra?os carinhosos da manceba, que lhe apresentava o filho, os sobresaltos d'aquelle dia, e repousava como o naufrago n'um porto de abrigo. A manceba ouvia-o tremendo com o filho sentado nos joelhos, e procurava aquietal-o com palavras brandas. Mas Fern?o da Silveira perguntava-lhe se poderia ter animo tranquillo e sereno um homem a quem D. Jo?o II, se o apanhasse, faria esquartejar, pregando-lhe os quartos nas portas de qualquer cidade ou villa, e a cabe?a no pelourinho da pra?a publica. Lembrava-lhe que o odio de D. Jo?o II costumava ser t?o profundo e sanguinario, que n?o respeitava nem as regalias de nascimento nem os la?os de parentesco. Perguntava-lhe se n?o sabia que o duque de Bragan?a f?ra decepado no cadafalso da pra?a de Evora; que em Abrantes cev?ra D. Jo?o II a sua vingan?a na estatua do marquez de Montem?r j? que, por se ter refugiado em Castella, n?o pod?ra ceval-a no seu corpo; que o duque de Vizeu, cunhado do rei, f?ra por elle proprio assassinado em Setubal. Agradecia ? Providencia o ter-se encarnado na pessoa de Jo?o de Pegas para o salvar; sen?o, haver-lhe-ia acontecido o que acontec?ra a D. Pedro de Athayde, que fugindo de Setubal para Santarem f?ra preso no caminho, publicamente degolado e feito em quartos. Os fidalgos castelhanos continuamente estavam avisando Fern?o da Silveira das repetidas instancias que D. Jo?o II fazia junto dos reis catholicos para que lh'o entregassem. O conspirador teimava em n?o querer parecer fraco, deixava-se ficar, sempre intimamente sobresaltado e desconfiado. Mas em 1488, como D. Jo?o II enviasse a Castella uma embaixada a pedir para o herdeiro da cor?a a m?o da filha primogenita dos reis catholicos, Fern?o da Silveira, receiando que pelo facto do casamento se estreitassem, como era natural, as rela??es de amizade entre as duas c?rtes, resolveu-se a fugir para Fran?a acompanhado pela manceba e pelo filho. N?o devia, por?m, considerar-se muito seguro em Fran?a um conspirador representante da nobreza insurgida contra o poder absoluto dos reis. Em Avinh?o, Fern?o da Silveira tinha horas de cerrada melancolia, quando ermava contemplativo junto ao tumulo da Laura de Petrarcha, e aproximava o seu destino do destino do poeta italiano, ambos infelizes, posto que por differente motivo. Petrarcha apaixon?ra-se aos vinte annos pela bella Laura, que nunca foi sua, pois que despos?ra Hugues de Sade, a quem, victima da peste de 1348, deix?ra viuvo com a descendencia bem pouco lyrica de onze filhos. Fern?o da Silveira, menos infeliz pelo que respeitava ao feminino, tinha comsigo, em mancebia adulterina, a sua Laura, a qual procurava suavisar-lhe as horas amargas da vida, que eram todas ou quasi todas. Mas como poeta e exilado, comprehendia a solid?o dolorosa de Petrarcha em Valchiusa, ? beira de cuja fonte o portuguez ia muitas vezes sentar-se juntando idealmente as suas angustias ?s do poeta que, tendo alli cantado um seculo antes, viv?ra solitario como elle e como elle perseguido pela fatalidade do destino. Entrado o anno de 1489, o espirito de Fern?o da Silveira principiou a ser assaltado por sombrios presentimentos, que elle baldadamente procurava reprimir. Tinha frequentes accessos de colera, que o sorriso de seu filho, crean?a de pouco mais de oito annos, n?o lograva serenar. Imprecava violentamente D. Jo?o II, que continuava a denominar o tyranno de Portugal. Dizia muitas vezes a Izabel Rodrigues que a justi?a do c?o havia de cahir tarde ou cedo sobre o tyranno, e feril-o na mais sensivel fibra do cora??o, se aquelle cora??o tinha alguma coisa de humano. Parecia que Fern?o da Silveira adivinhava n'esse momento a catastrophe que, tempo depois, havia de victimar em Santarem o joven principe D. Affonso, herdeiro da cor?a. Recommendava-lhe que, no caso d'elle morrer assassinado por ordem de D. Jo?o II, como presentia, educasse seu filho no odio ao tyranno e no amor da liberdade. Mostrava alimentar a esperan?a de que a sua morte e a dos outros conspiradores seria vingada pelo veneno ou pelo punhal na pessoa do rei. Ainda n'isto se n?o enganou Fern?o da Silveira, porque os intestinos de D. Jo?o II parece terem cedido lentamente ? ac??o toxica das drogas preparadas por mestre Jo?o de Masag?o de acc?rdo com o duque de Beja. O inverno de 1489 havia sido cruel em toda a Europa. Estava-se em dezembro, os dias eram plumbeos, as noites tempestuosas. Fern?o da Silveira dizia muitas vezes a Izabel Rodrigues: --A cada silvo do vendaval sinto-me estremecer interiormente, como um predio que vai desabar... ? o presagio da morte, Izabel. Morro longe da patria, longe da familia que eu constitui em tempos de felicidade. Morro ao p? de um filho, e tenho saudades de outro. O cora??o ? assim feito. Foi o tyranno que me casou, porque na c?rte dos reis poderosos nem o cora??o ? livre. Nunca tive nem podia ter por minha mulher a febre de amor com que tu me incendiaste os sentidos. ? a ti que eu amo, boa alma, que tanto te tens do?do das minhas d?res. Vivo comtigo com o mesmo direito com que o tyranno abandonava a rainha para se ir emboscar em Cernache do Bom Jardim com D. Anna de Mendon?a, a m?e do bastardo. Se alguem n'este ponto podesse tomar-me contas, n?o era por certo o tyranno, t?o fragil com mulheres. Mas da esposa que n?o amei nunca, tenho um filho que sempre tenho amado, e peza-me que elle haja de arrastar na sociedade a infamia com que o tyranno enlameou protervamente o meu nome. Outro filho tenho... ? o teu, ? o nosso, Izabel, e d'esse me peza duplamente, porque s? p?de ser meu filho para compartir da deshonra do pai com o irm?o. Izabel Rodrigues acudia com palavras carinhosas a desviar-lhe o espirito para menos lastimosos pensamentos, mas o conspirador quedava-se triste, calado, dando a perceber que continuava mentalmente os raciocinios que a manceba meigamente pretend?ra interromper. No dia 8 de dezembro, Fern?o da Silveira lembr?ra-se saudosamente de Portugal, recordando com grande nitidez de memoria muitos episodios da sua vida da c?rte. Izabel Rodrigues tentou distrahil-o; e como no c?o, anteriormente caliginoso, se fossem rasgando clareiras azues, lembrou-lhe que sahisse a passeio. Dos labios do conspirador escaparam em resposta estas palavras presagas: --Sahir! Procurar a morte! Mas como se de subito se envergonhasse da sua fraqueza, disse a Izabel Rodrigues que sahiria. Lembrou ella que levasse comsigo o filho, que bem podia attrahir-lhe a atten??o para as suas gra?as infantis. Fern?o da Silveira sahiu, e levou o filho. Foram, caminho f?ra, conversando os dois. Obedecendo ? teimosia dos seus pensamentos, Fern?o da Silveira ia fallando de Portugal ao filho, gravando na sua memoria, a tra?os de fogo, o retrato odiento do tyranno. ? volta de uma rua, encontraram-se a pequena distancia com um fidalgo catal?o, cujo nome e situa??o Fern?o da Silveira muito bem conhecia. Era, como elle, um conspirador, que andava foragido de Castella: o conde de Palhaes. O catal?o, em vez de se disp?r a saudar Fern?o da Silveira, levou a m?o direita ao peito, insinuando-a no gib?o. E, ao passar junto de Fern?o da Silveira, cravou-lhe rapidamente um punhal no cora??o. N?o teve o portuguez tempo para resistir; cahiu desamparado na rua. Mas o pequeno Alvaro, vendo o pai morto, desatou em gritos dilacerantes, que despertaram as atten??es, e chamaram gente. Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page |
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